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Boa noite, presidente

 

A eleição de Tancredo, em 15 de janeiro de 85, revelou a mais competente e bem-sucedida engenharia política de nossa história. Nenhum retrocesso, sempre avanços.


Há um lado desse tempo ainda envolto numa cortina de silêncio: o militar. Consolidada a vitória no Colégio Eleitoral, surgia o problema de sustentá-la militarmente. Tancredo, tendo vivenciado todas as crises institucionais, conhecia esse terreno.


Duas hipóteses foram trabalhadas: a negociação com o governo, diga-se hipotecas militares, como aconteceu no Chile e na Argentina, com a cooptação do general Walter Pires para permanecer no Ministério do Exército, e outra na construção de um dispositivo autônomo de sustentação.


Tancredo, bom articulador, trabalhou os dois lados. Manteve contatos com o Walter Pires -chegou mesmo a oferecer-lhe a embaixada em Portugal-, com Geisel, com Reinaldo Almeida e com outros altos chefes. Eu, Aureliano, José Richa e outros atuaríamos na outra área.


Todo mês, reunia-me discretamente, na Academia de Tênis, com o general Leônidas Pires Gonçalves, comandante do 3º Exército, quando ele vinha a Brasília para a reunião do alto comando. Éramos amigos havia muitos anos, desde que ele era major e integrante do gabinete de Jânio. Leônidas foi o ponto-chave. A ele deve o país, em grande parte, a tranqüilidade da transição.


Construímos uma ampla área de informação, a começar de dentro do setor de inteligência do SNI, onde detectamos "planos radicais para cancelar a eleição presidencial", mencionados em documento do governo Figueiredo, fato agora confirmado em entrevista do general Octávio Costa.


Ao lado da conquista de delegados, o respaldo militar foi costurado. Recordo um episódio: o ministro Dornelles levou a Tancredo a informação de que na FAB organizava-se um manifesto. Tancredo mandou que ligasse para Aureliano. Este ouviu de Tancredo: "Você tem cinco minutos para responder: Deoclécio ou Moreira Lima?". Aureliano respondeu: "Moreira Lima". Então Tancredo disse ao Dornelles: "Dornelles, manifesto, se não está publicado, os que assinaram retiram a assinatura e, se publicado, aderem logo. Anuncia o Moreira Lima e rompe o tumor". Se tivesse que falar do meu governo, citava o almirante Sabóia, um dos mais íntegros e melhores homens que conheci na vida.


Na noite em que Tancredo adoeceu, já 15 de março, com a dúvida jurídica sobre a posse do vice, Leônidas e Ulysses foram a Leitão de Abreu. Logo depois, o Walter Pires, ao ter conhecimento de que seria eu a tomar posse, retrucou: "Então vou agora mesmo para o ministério mobilizar nosso dispositivo". O doutor Leitão de Abreu cortou: "General Walter Pires, o senhor não é mais ministro. Nos quartéis, quem já está dando ordens é o general Leônidas". O nosso "dispositivo" funcionara.


Naquela mesma noite, depois de resolvidos os aspectos jurídicos da posse, ouvi de Leônidas, às três horas da madrugada: "Boa noite, presidente". Assim a transição foi feita com as Forças Armadas, e não contra elas.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 21/01/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 21/01/2005