Numa sala imensa, confortável, Brasília com 20 graus de temperatura, portanto fria, sou recebido calorosamente pelo ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça. "Deixei milhares de processos, todos urgentes, para conversar um pouco sobre jornalismo e literatura com o amigo." Agradeço a deferência e estico a mão, para entregar ao grande jurista e professor a última edição do meu livro "O padre Antonio Vieira e os judeus".
Os olhos do presidente se iluminam. "Como todo bom maranhense, adoro o padre Vieira... E o tema não poderia ser mais oportuno. Quero conhecer detalhes dessa obra, pois tenho ascendência judaica." O papo aquece e depois deriva para a experiência de magistério de cada um de nós. O ministro é professor de Direito Penal em Brasília e em São Paulo. Mas fala mesmo com orgulho de um dos seus feitos no STJ: "Combinei com a Universidade de Brasília, onde leciono, que se deveria estender aos nossos estagiários, no Tribunal, as cotas para afro-descendentes. É uma preocupação que justifico como amplamente democrática."
Edson Vidigal conta que não sonhara com a magistratura. Advogado e jornalista, sim. Nesta segunda atividade, passou por diversos órgãos de relevo, como a revista Veja e os jornais O Globo e Jornal do Brasil. Ama a profissão, onde tem até hoje alguns dos seus melhores amigos, todos citados com carinho.
Ele retoma o livro sobre Vieira e lembra uma frase que gosta de repetir: "O Padre Antonio Vieira dizia que os sacerdotes são empregados de Deus. Da mesma forma, somos empregados de um único patrão, para o qual trabalhamos. É o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do povo brasileiro."
E se levanta, para pegar um dos seus livros na estante clássica. Traz o "Missa-Convite" e abre na página 33. Penso que foi para testar a resistência de minhas emoções. Lê com voz forte e o gostoso sotaque nordestino:
"Quando minha mãe me beijou na testa, dizendo "meu filho, eu não demoro" e embarcou no trem - eu fiquei muito triste... Vi um barco solitário, lá longe no mar, na hora da chuva, e isso é muito triste... Eu vi uma moça sorrir sobre o cadáver do pai que ela imaginava estar ressuscitando, talvez só porque ele se chamasse Lázaro... Vi também a morte, querendo me agarrar, eu quase me afogando - era tudo muito triste... Mas tem uma coisa: nada é mais triste do que uma criança triste. Caindo de sono. Mais de tristeza do que de sono."
Um tipo muito característico de cristalina prosa poética. Sem a rima limitadora, que só ocorre por acaso, valorizando o ritmo do texto inspirado. Como aconteceu em seus outros livros, como o "Assim Falou Vidigal" (prefácio de Luís Orlando Carneiro), "Plato a la Bill Clinton" (prefácio de Villas-Boas Correia) e o "De como ganhar o mundo e ser ganho por ele" (prefácio de Tão Gomes Pinto).
Ainda há tempo para o almoço típico, em sua casa, com a hospitalidade redobrada de Eurídice. Não acreditem que a conversa girou sobre Justiça e Política. Continuou no domínio da literatura, em que José Sarney, Josué Montello, Marcos Vilaça e Rachel de Queiroz foram muito lembrados. No caminho de volta, sozinho, lembrei-me da crônica "Aplausos do silêncio", de Edson Vidigal. Nada mais apropriado.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 22/1/2006