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Liberdade de expressão

 

Uma charge publicada em jornal da Dinamarca, reproduzida em outros jornais, está provocando protestos (alguns deles radicais) no mundo árabe e, de quebra, uma onda de defensores da liberdade de expressão, que estaria sendo violentada pela reação "do outro lado" da corda.


Vamos com calma. A liberdade de expressão tem mão e contramão. Ela não é uma exclusividade divinatória dos jornalistas e profissionais da mídia. Qualquer ser humano tem a liberdade de expressar-se. É evidente que há limites legais e morais para esse tipo de manifestação, a menos que se assuma o risco de ser punido, como de fato o fui, várias vezes, não por delito de expressão, mas de opinião, o que é outra coisa.


Os manuais da Redação de quase todo o mundo proíbem ofensas a raças e religiões indistintamente, incluindo-se na proibição seus símbolos mais sagrados. Uma charge com a Menininha do Gantois praticando atos sexuais com a imagem de Ogum seria intolerável para o bom gosto e para os milhões de adeptos das seitas afro-brasileiras, haveria o diabo se alguma coisa parecida fosse publicada entre nós.


Uma charge glorificando a cruz suástica, por exemplo, varrendo os israelenses do Oriente Médio, ou mesmo um livro ou reportagem enaltecendo o nazismo, seriam recolhidos pela polícia e por grupos justamente indignados, e não apenas de judeus.


Muhammad, para os muçulmanos, é mais do que um profeta, é um pai. O cristianismo diferenciou-se do judaísmo por substituir Javé (ou Adonai) pelo Pai Nosso. Deus (que os ortodoxos judeus grafam D"us em sinal de respeito) foi substituído pela função e figura de um pai. A liberdade de expressão dá direito de ofender ou ridicularizar o pai ou a mãe de quem quer que seja?


A defesa histérica e incondicional da liberdade de expressão é, no fundo, a expressão de um corporativismo da mídia, que, em alguns casos, mascara a truculência e, em outros, a burrice.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 7/2/2006