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A moeda e a expressão

 

Na edição de ontem, a Folha publicou a tradução de um artigo intitulado "Liberdade de expressão, moeda inegociável", de Theodore Dalrymple, psiquiatra e escritor inglês, que escreve no "City Journal", de Nova York. Fiando-me na tradução da sempre competente Clara Allain, considerei o artigo confuso, entre o óbvio e o equivocado. Sem falar no título, total e intrinsecamente infeliz.


"Moeda inegociável" é a negação da essência, da razão e até do formato de qualquer moeda, que foi inventada (dizem que pelos fenícios) justamente para facilitar qualquer espécie de negociação. Aplicada à liberdade de expressão, o "inegociável" torna absoluta uma manifestação humana que, filosófica e operacionalmente, é relativa, como a quase totalidade dos valores que não pertençam às ciências exatas, sendo que uma delas, considerada "exata" no atual estágio, ganhou o nome de "relatividade".


Desconfio que estou gastando latim à toa. A liberdade de expressão, tal como está sendo discutida agora, é a manifestação de um corporativismo quase que exclusivo da mídia, que se arvorou em vestal, em Petrônio Árbitro de uma sociedade heterogênea e mutante. (Aviso que o Petrônio a que me refiro não é o finado Petrônio Portella; e o árbitro não é Sua Senhoria que apita pênalti quando a falta é cometida dentro da área.)


O artigo é infeliz, também, quando invoca Voltaire, que não dava nenhuma bola para a expressão, e sim para a opinião, evidente que a opinião dele. Por causa dela, da opinião, sofreu o diabo ao defender Calas, injustiçado pelo clericalismo da época. Foi parar na prisão e depois no Panteão, onde está ao lado de Zola, outro que não se exprimiu, mas opinou contra a corrente militarista de sua época, foi parar no exílio e no mesmo Panteão, obviamente ao lado e Voltaire.


Paro aqui: o espaço acabou e o meu latim também.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 18/2/2006