Leio o título de matéria publicada em jornais: "FHC acusa Lula de ser mais conservador do que ele". Não é caso para entrar no mérito da questão, no chamado julgamento de valor, que se resume em estabelecer o grau de quanto um e outro são conservadores.
Para quem está se lixando em ser conservador, liberal, progressista, reacionário, revolucionário, fazendo aquilo e andando para qualquer tipo de classificação religiosa, política, literária ou esportiva, a briga entre o atual presidente e o ex para saber quem é mais isso do que o outro nem divertida é.
Lembro um debate na TV entre dois finados amigos: o deputado Eduardo Mascarenhas, psiquiatra, homem de bem, ligado à esquerda; e o escritor José Guilherme Merquior, diplomata de carreira, acadêmico, tido e havido como homem de direita.
Lá pelas tantas, Mascarenhas jogou em cima dos conservadores todos os males da humanidade, desde o golpe de 1964 até a cara raspada de grande parte da população mundial (ele usava barba e era um homem bonito, diria até que belo, foi casado com a minha amiga Cristiane Torloni e era devoto do Brizola, que por sinal não usava barba e era conservador até na maneira de comer churrasco. Também fui devoto dele, em termos pessoais).
Merquior tinha uma inteligência diabólica - para dizer o óbvio. Com um riso igualmente diabólico, respondeu que havia muita coisa a ser conservada, além das sardinhas, azeitonas e pêssegos em compota. Citou o fato de ambos estarem vestidos, de tomarem banho todos os dias e escovarem os dentes.
Por falar em dentes, lembro outro amigo também falecido. Sempre que podia - e mesmo quando não podia -, Paulo Francis falava mal dos ternos quadradões e dos dentes cariados dos dirigentes da União Soviética, também falecida.
Sem a brilhante acuidade do Francis, nunca reparei nos dentes de Lula e de FHC. Dou de barato que são escovados todos os dias.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/2/2006