Calor de 40 graus, muito sol e muita praia, muita mulher bonita, bumbuns que não precisam de silicone - o Rio está na dele. Junte tudo aos Rollings Stones, à proximidade do Carnaval e ao contraponto da briga na Rocinha entre traficantes e policiais - que todos acabem uns com os outros, para o bem da cidade - e o carioca está vivendo sua "finest hour", meio avacalhada, mas gostosamente sua, intransferível.
Mesmo assim, me detive durante horas examinando um grupo reunido na calçada de um botequim de Ipanema. Três cariocas na faixa etária dos Stones (60 e tantos anos), sentados em barricas de chope provavelmente vazias, em torno de uma mesa que era apenas uma barrica maior, provavelmente cheia, para dar melhor sustentação.
Estão de short e camisas de malha com a cara do Lula, do Tom Jobim e a terceira com uma cena de algum filme nacional que não identifico. Estão de shorts que apertam as barrigas, estufando-as até parecer que entraram em estado de absurda gravidez.
São obvia e agressivamente cariocas. Tomam um chope mais do que óbvio, provavelmente quente. Num prato, lingüiças aparentemente embanharadas e, ao contrário dos chopes, frias. Tampouco identifico a calçada do bar onde estão e usufruem a manhã de domingo. Se fosse dia de semana, estariam jogando cartas, mas é dia do Senhor, tudo tem hora. Não falam entre si nem com ninguém. De vez em quanto, um deles grita para dentro do botequim: "Ô Bem-te-vi, mais uma rodada, no capricho!".
Riem entre si, de nada mesmo, se fosse de alguma coisa não ririam. A nova rodada chega. "À sua!". Um outro corrige: "À nossa!". Um conhecido passa, dá um cumprimento genérico, na base do "boa vida!" ou "mais tarde a gente se vê".
Mais outro conhecido passa e saúda: "Tudo bem, Meireles!". Um deles deve se chamar Meireles, talvez com dois eles. Só sairão dali para o Caju, que é o único cemitério confiável para um carioca.
Folha de São Paulo (São Paulo) 23/2/2006