Quando esta crônica sair publicada, a cidade e o mundo estarão naquilo que os entendidos no assunto chamam de "reinado de Momo". Eu estarei longe desse pecado coletivo e chato. Gosto de pecar sozinho e não preciso de muita gente à minha volta para pecar bem e agradavelmente. Compreendo a aflição com que a turba espera pelo Carnaval para fazer aquilo que, normalmente, deveria ser feito o ano todo. Mas não tenho motivos importantes ou desimportantes para esbanjar o precioso suor do meu rosto nestas arenas enfeitadas pela Riotur. Reservo precisamente o meu honesto e santificado suor para cometer outros pecados mais interessantes.
Não me consultaram quando fizeram o mundo, não me consultaram sequer quando fizeram o calendário, e o jeito é suportar o mundo e o calendário que fizeram para mim.
Prefiro, honestamente, a Quaresma. Não que pretenda macerar minhas pecadoras carnes com os cilícios e os açoites dos anacoretas. Gosto do roxo, o roxo das quaresmas tropicais que enfeitam as montanhas.
Cada um tem o Carnaval que merece. Eu terei a montanha, um pouco de recolhimento e descanso - que a faina humana tem sido dura e fatigante. Que vocês tenham também a alegria que buscam. Apertai-vos nos salões, suai, cantai, pulai e sede felizes e alegres. O mundo inteiro está esperando isso de vocês. As revistas semanais, os jornais, a TV, todos estão à espera de que vocês dêem o assunto e o espetáculo. Todos os anos, vejo na mídia as mesmas caras, as mesmas cenas, as mesmas fantasias, os mesmos rostos esbaforidos. Não vou dizer que me divirta com isso, mas também não tenho o que censurar a nenhum de vocês. Pelo contrário: dou-lhes minha bênção.
Na Quarta-Feira de Cinzas, voltaremos todos à mesma faina. E tomaremos as nossas cinzas ou os nossos antibióticos, conforme o gosto ou a precisão.
Folha de São Paulo (São Paulo) 26/2/2006