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O estilo ferreirês

 

O estilo é o homem. Se não foi o escritor francês Buffon que disse isso, pelo menos pensou. Hoje, há uma busca desenfreada pela originalidade, na fala da língua de grandes oradores como Rui Barbosa e Alcides Carneiro.


É o que caracteriza a obra literária, meio iconoclasta, do escritor e jornalista Joaquim Ferreira dos Santos. Ele escreve semanalmente em O Globo (Gente Boa) e lança livros com assiduidade, como a seleção de crônicas de Antônio Maria (Benditas sejam as moças e Seja feliz e faça os outros felizes), além do seu já clássico Em busca do borogodó perdido. Ele garante que o borogodó continua sendo carioca, bem nosso - e ninguém tasca.


Com a sucessão de crônicas, sempre em defesa da língua portuguesa, a seu modo, Joaquim deu à luz ao ferreirês, que pode ser interpretado com a maneira original de Joaquim Ferreira dos Santos, um tímido de carteirinha, tratar o idioma que consagrou Machado de Assis. Sua máxima preferida é o máximo: ao inferno com os lugares comuns.


Especialista do linguajar antigo, biógrafo de Antônio Maria, reutiliza com fina ironia os modismos de cada época:


- Para uns pode parecer que é fogo na roupa, de lascar o cano. Mas pode ser coisa de bilontras, parlapatões, biltres ou jilós.


Vê-se pela escolha dos grandes exemplos que Joaquim (nem Quincas Borba, nem Berro D"água) não deixou de fora o grande Eça de Queiroz, de quem Nelson Rodrigues herdou o biltre que aparece em quase todas as suas crônicas.


Seguimos com fuzarca, frezê ou fuzuê, para chegar a muquirana, estrupício, desengonçado e o verbo encasquetar. Apesar da evolução da semântica, que tanto preocupa Marcos Vilaça, na presidência da Academia Brasileira de Letras, devemos continuar a brincar com essas sonoridades supimpas. Nem todas ainda dicionarizadas, embora pudessem figurar como arcaísmos inevitáveis, marcas de diferentes fases da nossa rica literatura.


Conversa mole


Vamos deixar de lero-lero, não amolar com nhenhenhém (palavra revivida por um ex-presidente da República), muxiba, mixuruca e xarope. Deixar de lado essa prosa cheia de nove horas. É preciso retomar o ferreirês, na plenitude da saudade vernacular, e mandar os contrários solenemente pentear macaco, não sem antes lamber sabão. O resto é conversa mole pra boi dormir.


Quando alguém, incluindo o patrão, na redação da Manchete, começava a contar vantagem sobre conquistas femininas, o acadêmico Murilo Melo Filho, acompanhado do gesto respectivo, afirmava que era só gogó, ou seja, conversa fiada.


Esta crônica, feita assim à bangu, não deixa de demonstrar o prazer das palavras, em que de forma cabulosa podemos lembrar também de mequetrefe, debalde, nefelibata, à socapa, à sorrelfa e outras menos votadas.


Só se espera de Joaquim Ferreira dos Santos, um valente escritor filhos de portugueses, que nos dê de lambujem, sem balela, e que lhe valha algum caraminguá, a segunda edição da obra-prima do borogodó carioca. Sem patacoada e sem ser fuinha.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 05/03/2006

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 05/03/2006