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Schmidt: Centenário

 

Se vivo fosse, o poeta Augusto Frederico Schmidt estaria completando, no próximo dia 18 de abril, o primeiro centenário do seu nascimento, porque nascido em igual data do ano de 1906. Justamente em sua homenagem foi lançado aqui no Rio o livro Quem contará as pequenas histórias?, uma biografia romanceada de Augusto Frederico Schmidt, escrita por Letícia Mey e Euda Alvim.


Numa linguagem simples e comunicativa, as autoras contam a vida de um poeta e de um editor, responsável pelo lançamento, entre outros, dos livros dos acadêmicos Jorge Amado, José Américo, José Lins do Rêgo, Marques Rebelo e Rachel de Queiroz. Mas também de um empresário das areias monazíticas e dos supermercados, além de ter sido um dos idealizadores da Operação Pan-Americana, no governo JK, para o qual teria cunhado a famosa frase: ''Deus poupou-me o sentimento do medo''.


Certa vez, numa entrevista à Manchete, ele me fez a seguinte declaração: ''O sinal terrível do nosso tempo é a ausência de grandeza. Todos se recusam a ser grandes. Não quero, porém, que meu país seja um mendigo ingrato, uma coisa insignificante, ou a pátria dos recalcados e dos raivosos, mas uma nação positiva e criadora, amante do seu destino''.


Nas 300 páginas de Quem contará as pequenas histórias?, projeta-se a figura de um dos pioneiros na história do desenvolvimento brasileiro e na tese do Brasil Grande, de um modernista da primeira hora, de um empreendedor visionário, de um conselheiro influente que não gostava de atuar ostensivamente, preferindo sempre agir na retaguarda e nos espaços laterais.


Como se fosse um Maquiavel, um Savonarola ou um Richelieu redivivos, tinha o gosto de manipular nos bastidores os cordões da cena brasileira.


Schmidt foi também um lírico do romantismo, numa métrica e numa cadência bíblicas, coibidas nos limites do soneto, cuja poética não raro transbordou para o verso livre - com enfoques religiosos e metafísicos sobre o amor, a dor, o insulamento, a mágoa, a solidão, a tristeza, o temor a Deus e a morte.


Sim. Porque a morte foi a grande obsessão dos seus 56 anos de vida, bem vividos. Teve-a como um permanente mote de toda a sua obra literária.


Guardo o orgulho de ter sido seu amigo e compadre fraternais: sua primeira e única visita a Brasília, na companhia de Júlio Barbero, foi justamente para ser padrinho de batismo da minha filha Fátima, à qual dedicou um exemplar do seu O galo branco: ''À minha afilhada muito querida, que me lerá quando eu não mais existir''. A morte, sempre ela.


Certa vez, estávamos no dia 31 de janeiro de 1956. Bem-informado como sempre, Schmidt soube que o novo presidente Jânio Quadros, naquele festivo dia de sua posse, ia aproveitar a oportunidade para, em presença do próprio Juscelino, pronunciar um violento discurso contra ele. Telefonou do Rio para Brasília, prevenindo JK do risco que corria. E ouviu a seguinte resposta:


- Meu caro Schmidt, se o Jânio cometer esse desatino, passo-lhe a faixa e dou-lhe um soco na cara.


Ciente dessa decisão, receoso e prudente, Jânio achou melhor não fazer seu discurso naquela solenidade, reservando-se para fazê-lo à noite, na Hora do Brasil, quando JK já estava viajando pelo bandeirante Antônio Raposo Tavares, da Panair, para a Europa.


Schmidt rompeu violentamente com os militares do 31 de março, em protesto contra as cruéis violências e injustas cassações, sobretudo a de JK.


Detestava Gide e Mauriac. Gostava de Bernanos, Alceu, Péguy, Proust e Jackson.


Costumava reunir em seu apartamento de Copacabana o que havia de mais destacado na vida política e intelectual do país: Bandeira, Drummond, Sabino, Vinicius, Otto, Tônia, Israel Klabin, Mauro Salles, Júlio Barbero, Roberto Marinho, Jorge Serpa, José Alberto Gueiros, Aristóteles Drummond, Helio Fernandes, Roberto Campos e ACM, além dos presidentes JK e Castelo Branco, que ali compareciam em busca de conselhos e orientações.


Morreu relativamente moço e de repente, fulminado por um ataque cardíaco e bastante amargurado, porque nem sempre bem compreendido.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 15/03/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 15/03/2006