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Vivendo nas alturas

 

Passar dias em cima de uma árvore. Comer, dormir, realizar todas as atividades, e necessidades, da vida cotidiana, sem colocar os pés no chão.


Ilustrada, 2 de abril de 2006


Contestadora era ela, e desde criança. Brigava por qualquer coisa, o que não era de admirar: menina mimada, filha de pais ricos, não estava acostumada a ver seus desejos contrariados. E assim chegou aos 20 anos, uma garota irritadiça, ainda que muito bonita e inteligente. Àquela altura, todos os professores, amigos, parentes estavam de acordo que ela estava precisando de limites. A gota d'água foi o caso que começou a ter com um conhecido traficante de drogas. O pai, próspero e culto empresário, deu-se conta de que aquele era o momento de dar o basta. Mesmo assim, procurou fazê-lo com habilidade. Na conversa que teve com a jovem, recorreu a uma frase lapidar e cuidadosamente ensaiada: "Você sempre viveu no ar. Agora está na hora de colocar os pés no chão".


Assim que ela ouviu essas palavras, decidiu que faria exatamente o contrário. Nunca mais poria os pés no chão. Romperia com o traficante, sim, mesmo porque o cara era muito chato, mas não faria qualquer concessão aos pais. Assim, anunciou que estava indo embora de casa.


E foi. Tomou o rumo da região amazônica. O seu plano era viver na floresta, mas não no solo: construiria uma casa numa árvore e ali viveria para sempre. Alimentos? Os frutos das árvores ao redor, ovos de pássaro, pequenos répteis. Água, a da chuva. Os pais, naturalmente, ficaram desesperados. Mas, com a ajuda de investigadores particulares, conseguiram refazer a trajetória dela. E acabaram por descobrir o lugar em que vivia, na mata amazônica.


A conselho dos próprios investigadores, foram sozinhos até lá. Caminhando pela selva, chegaram à árvore. E ali estava, entre os galhos, a pequena cabana. Chamaram pela jovem. Ela apareceu e não se mostrou surpresa; aparentemente, até esperava aquela visita. Do chão, pai e mãe lhe dirigiam apelos angustiados: desce daí, minha filha, volta com a gente para casa.


Para isso, ela tinha uma resposta preparada: Só desço - disse - se vocês subirem.


O que era absolutamente impossível. Não havia qualquer escada, nem mesmo cordas, nada que os ajudasse. Eles imploraram e imploraram. Por fim desistiram e foram para o precário hotel da cidadezinha próxima. No dia seguinte voltaram, e esta rotina tem se repetido: pedem que a filha desça, ela insiste para que eles subam. O impasse está criado, mas isso não é o pior. O pior é o grande macaco que eles acreditam ter visto diante da cabana. Pode, claro, ser um bicho de estimação. Mas e se ele é o substituto do namorado traficante?


 


Folha de S. Paulo (São Paulo) 10/04/2006

Folha de S. Paulo (São Paulo), 10/04/2006