Acontecem mais ou menos ao mesmo tempo: a Páscoa judaica (Pessach) e a Páscoa cristã, fora do calendário gregoriano, uma vez que são festas móveis. A Páscoa cristã é uma data (e uma festa) essencialmente e exclusivamente religiosa, eixo do mistério da Redenção: um Deus que se entregou em holocausto para salvar a humanidade de sua culpa original. Já a Páscoa judaica é uma festa nacional com fundo religioso. No Seder (a ceia tradicional), há sempre um menino que pergunta a alguém mais idoso: "Por que esta noite é diferente das outras noites?". É contada então a história do Pessach, quando o anjo do Senhor passou por cima das casas e Moisés retirou o povo judeu do cativeiro do Egito. Uma festa de libertação nacional, a maior que eu conheço, maior do que qualquer outra revolução da História. Um povo inteiro, escravo, escolhendo a liberdade. Teve um preço: os 40 anos que formaram a geração do deserto em busca de chão próprio e livre. Ao se transformar na Páscoa cristã, a mensagem de libertação é a mesma, mas não em nível nacional, mas ontológico, teológico, espiritual: a libertação do pecado.
São duas festas bonitas, embora com sentido diferente. Durante o regime totalitário, escrevi um romance ao qual dei um título estranho e duplo: "Pessach: a travessia". Éramos um povo oprimido, em cativeiro. Precisávamos de uma liderança (que não houve) para atravessar o deserto que se abria à nossa frente. O desafio era uma travessia e ela só seria possível - como de fato o foi - com o sacrifício de toda uma geração também do deserto. Jesus comemorou o "Pessach" na ceia que antecedeu sua prisão, tortura e morte. Comeu o cordeiro pascal e ele próprio se transformaria num cordeiro imolado para salvar o seu povo, ou seja, todos os homens. Festas bonitas, que merecem mais meditação do que chocolate.
Folha de S. Paulo (São Paulo) 16/04/2006