Vi e ouvi na TV, no canal da Câmara, um momento que define uma época, que também nos define e humilha. Encaminhando a votação para a MP que dá ao presidente do Banco Central o status de ministro, o senador Jefferson Péres fez um discurso pateticamente revelador da classe política.
Jefferson não chega a ser um orador impressionante, como o Pedro Simon, que nem precisa falar -basta o seu gestual na tribuna, gestual que já louvei há tempos, para compreender o que ele está espinafrando ou elogiando.
O senador amazonense é comedido, e seu discurso na semana passada foi comedidíssimo. Em meio a um silêncio constrangedor, com todos os colegas fingindo que não estavam nem ali, Jefferson disse que lavava as mãos. Terminando o seu mandato, abandonaria a política, enojado e triste.
Acusou a base governista de perjúrio ao aprovar a medida contrária à Constituição. Ninguém o contestou. A MP é mesmo anticonstitucional. E todos os senadores haviam jurado respeitar e cumprir a Lei Magna. Ninguém, nem mesmo o contínuo que serve a água gelada aos oradores, o aparteou. O silêncio do plenário foi doloroso, um dos piores momentos de nossa vida pública.
Antes dele, alguns senadores da oposição lembraram a prisão de um ex-presidente do BC, numa CPI nem tão remota assim. Prisão diante das câmaras de TV, o preso saindo do recinto sob escolta dos seguranças da Casa. E o que dizer se o governo anterior, que eu criticava quase todos os dias, pedisse blindagem para o Armínio Fraga? O mundo viria abaixo.
Jefferson Péres citou, se é que ouvi direito, o finado Otávio Mangabeira: "Discurso no Congresso pode mudar pensamento, mas não muda voto". Como não entendo de política, não entro no mérito da questão -se o Meirelles merece ou não foro especial. Mas não preciso entender muita coisa para registrar o que a política pode fazer dos homens e das instituições.
Folha de São Paulo (São Paulo) 13/12/2004