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Teixeira de Melo

                                 ESTÂNCIAS

Lembra-te, ó anjo, que eu te amei um dia;
Lembra-te, ó anjo, que eu por ti chorei.

                      Luís Delfino

Oh! laisse-moi t’aimer pour souffrir en moi-même;
Pour te donner ma vie et n’en parler jamais!
Oh! tais-toi; ne crains rien; si tu veux que je t’aime
Je te remercierai comme si tu m’aimais!

                                  F. Soulié

 

Lembra-te, virgem, lembra-te um momento
Do teu último dia de criança,
Que o teu silêncio sem querer enchia
De hinos de amor ungidos d’esperança!

Tinhas então no olhar a morbideza
Da infância que pressente a mocidade;
Tinhas na fronte o selo da beleza
E n’alma a sombra vaga da saudade.

O tempo foge, ó virgem, como o vento!
A mocidade é flor que pouco dura!
Tudo sussurra e passa... até que apenas
Um cipreste nos marque a sepultura.

Amemos como à luz as mariposas,
Como a flor ama o orvalho que a remoça!
Amar não é topar pela existência,
Como a topaste, um’alma irmã da nossa?

O amor é a vida na mulher que um dia -
Ao passar pelo espelho - se achou linda.
Ama e vive, mulher! quando morreres...
Quando morrermos... viverás ainda!

Viverás nestas pálidas endechas
Como a imagem louçã da mocidade:
A primavera foge, mas meus cantos
Talvez levem teu nome à eternidade...

A vida sem amor é um deserto
Em que a sede desvaira a caravana!
É como o mar, que indiferente canta
E arremeda o carpir da dor humana!

Amemos hoje que a tormenta foge
E vai por outros céus rugir agora!
A mim, que te hei de amar por toda a vida,
Branca pomba do céu, ama-me um’hora!

Se não podes amar-me ao menos deixa
Que eu te dê meu porvir e mocidade:
Ninguém o saberá! Hei de escondê-las
Essas horas de amor e f’licidade!

Hei de esquivar da luz os meus suspiros,
Embalar no silêncio o meu amor;
Mas deixa o coração seguir-te ao menos
Como a sombra da flor persegue a flor!

Hei de abafar o coração no peito!
Hás de mesmo pensar que te esqueci!
Mas não hei de sofrer os teus sarcasmos,
Embora eu me votasse inteiro a ti.

Ai mulher! ai mulher! que eu não te veja
Messalina de amor vender teus beijos,
Tu, que tens no pudor um véu d’encantos
Que o mundo não manchou com seus desejos.

Deixa que eu beba o ar que povoares
Das lembranças de tempos mais serenos;
Não hei de não trair-me, embora sofra!
Deixa o meu pensamento amar-te ao menos.

Sempre risonho, descuidado sempre,
Embora morra, hipócrita da dor!
Hei de fugir de ti, embora a vida
Também me fuja a mim com teu amor.

Quando passares rezarei baixinho
Uma prece por ti - tímida e pura;
Depois, quando eu morrer, vai tu sozinha
Desfolhá-la na minha sepultura.

No tronco do chorão que me der sombra
(Não tremas de remorso ou de piedade!)
Grava teu nome e passa... e vai bem longe
Vender a um outro a tua mocidade.

Que suplício, mulher! que dor de Tântalo
Suspirar pela morte amando a vida!
Que nunca saibas, tu, como eu te amava,
Nem como a minha dor é desabrida!

O sol dessa ventura que me negas
Alumie teus últimos momentos!
Depois... pelos teus sonhos vaporosos
Hás de ouvir, mas já tarde, os meus lamentos.

Então te lembrarás dos meus medrosos
Cantos de amor ungidos de esperança...
Lembra-te, virgem! lembra-te um momento
Do teu doce abandono de criança!

                                                      (Sombras e sonhos, 1858.)

 

FANTASIA

Náiade viva da legenda antiga,
Deixa o seio do rio em que te encantas!
Dá-me um riso d’amor, gota do orvalho
Que em noites de verão desperta as plantas.

Vem às horas dos pálidos vampiros
Sobre as asas em pó das borboletas!
Algum silfo talvez te espere em cuidos
Sobre os seios azuis das violetas!

Não vês a natureza a sono solto
Nos braços do silêncio, imóvel, fria?
A alma vagando, estrela d’outros mundos,
Pelos campos da loira fantasia?

E os ventos que adormecem como a noite
Nos cabelos das árvores do val?
Nem soluçam gemidos que te assustem
Esses mortos que dormem no ervaçal.

Desce às horas do amor e dos mistérios!
Poisa o pé sem temor... é chão de flores!
Quando os vivos ressonam como os mortos,
Vem banhar-te comigo em mar de amores!

Do luar aos clarões que te acordaram
Ouve-se a estrela a cintilar dormindo;
Ouve-se a brisa a desfolhar saudades;
Ouve-se a folha a suspirar caindo!

Vem, flor do rio perfumada em risos!
Vem, flor dos bosques orvalhada em pranto!
Mas, se inda assim o coração te treme,
Dessas asas que tens faze o teu manto.

Dá-me um hino dos teus na voz magoada;
Dá-me um canto do céu na voz tristinha!
Já que o mundo dos vivos me abandona,
Vem, princesa do val, vem tu ser minha!

Vem teus sonhos de amor que a alma embalsama
Desfolhar sobre mim e o meu futuro!
O mundo não te espreita! e só da noite
Brilham olhos de Deus no manto escuro.

Mas, se a aurora acordar teu pai que dorme?!
Se a brisa despertar no campo as flores?!
Vem sempre! um anjo deve amar mais cedo,
Mais cedo enlanguescer, morrer de amores!

                                                      (Sombras e sonhos, 1858.)

 

FASCINAÇÃO 

Se a mão te aperto trêmula, gelada,
Minh’alma inteira embebe-se na tua;
Quando me fitas teu olhar tranquilo
Todo o meu sangue ao coração recua.

Quando te cravo os olhos meus, pudica
Baixas os teus com um olhar tão triste!...
Não devo amar-te; no entretanto eu te amo!
- E quem a tal fascinação resiste?...

Sinto em minh’alma comoções estranhas
Quando a descuido o teu olhar me lanças:
Creio-me outro, mais gentil, mais puro;
Sonho mil sonhos cheios de esperanças.

Na branca flor que no jardim floresce,
Na rola que soluça na folhagem,
Do céu no azul, no verde do cipreste:
Por toda a parte vejo a tua imagem.

Às vezes julgo surpreender-te um gesto
Que o ser me afoga em ondas de alegria;
Mas logo, pobre sonhador, conheço
Que o sonho mente e mente a fantasia.

Tu és a luz da minha vida, a crença
Que a minha morta mocidade chora;
Minh’alma adeja na amplidão, suspensa,
Quando não vejo o teu sorrir de aurora....

De aurora, sim! - pois a neblina imensa
Em que me envolvo - toda se adelgaça
Ao teu sorriso angelical e às vezes
Que ao pé de mim o teu vestido passa.

Sinto que te amo desse amor vertigem
Que num momento a vida nos consome:
Sinto ao teu nome estremecer-me o seio...
- Tem-me sido fatal teu doce nome!

Nunca disseste uma palavra, nunca
Um gesto só traiu teu pensamento:
Não sei como este amor me irrompeu n’alma!
Mas sei bem que ele faz o teu tormento.

Foi como o sutil fluido que evapora
A natureza em plena primavera:
Um nada que resume a vida inteira,
Um riso, um som que passa, uma quimera!

Eu sei que o nosso amor seria um crime
Perante o mundo e a própria consciência:
Seria atar o riso à desventura
O perturbar-te a angélica inocência.

Assim pois, meu amor, guarda os teus sonhos
E as castas ilusões da mocidade
Para o mortal que os fados te destinam:
Que ele te dê - por mim - a f’licidade.

Que ele alcatife o teu passar de flores;
Que o sonho teu... Meu Deus! oh como o invejo,
Que entenda, oh anjo, o teu menor sorriso
E que adivinhe o teu menor desejo...

Eu fugirei para remotas plagas,
Onde o não veja, pálido, a teu lado!...
Mas lá tão longe, em toda a parte e sempre
Hei de arrastar o meu grilhão pesado!

                                                                         (Miosótis, 1877.)