Entre as escolhas de Donald Trump para seu futuro governo nos Estados Unidos, uma chamou a atenção pelo inusitado da situação: a indicação do homem mais rico do mundo, Elon Musk, para uma secretaria criada para ele com intuito de melhorar a eficiência do governo. Seria o caso de cortar todos os contratos que suas empresas têm com o governo americano, para evitar conflitos de interesse. Mas isso não acontecerá, e a falta de escrúpulos do presidente eleito e do futuro secretário denota uma disposição de implementar a todo custo medidas drásticas, com pessoas de confiança absoluta.
O uso da plataforma X por Musk para fazer a campanha de Trump, a favor de valores da direita internacional, até no Brasil, para defender Bolsonaro e atacar o STF, mostra claramente que ele comprou o antigo Twitter para fazer política e defender seus interesses. Não tem qualquer responsabilidade sobre o que publica, desde que seja a seu favor. Agora, Musk indo para o governo, o X perde completamente a credibilidade.
O jornal inglês The Guardian já avisou que não usará mais o aplicativo, porque virou instrumento do governo americano. Não há problema em empresário virar ministro, desde que não tenha usado, e não venha a usar, seu poder para fazer campanha para candidato ou em benefício próprio. Apoiar ou financiar campanhas é normal dentro do jogo democrático, mas fazer o que Musk fez e faz — usar o aplicativo a favor de seu candidato, soltando fake news contra os adversários e dando só notícias favoráveis a Trump — deveria ser impedido por uma regulação necessária em todos os países.
No Brasil, o X foi usado descaradamente na campanha contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e provavelmente será novamente, agora que “o homem mais rico do mundo” trabalha para o “homem mais poderoso do mundo”, na visão dos bolsonaristas. Só o entusiasmo de Bolsonaro e sua prole com a volta ao poder de seus amigos americanos revela uma visão retrógrada das relações internacionais. Desejar que um presidente de outro país use seu alegado poder de pressão sobre a Justiça brasileira para tornar o ex-presidente brasileiro elegível, anulando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, é assumir que o país que governou e pretende governar não tem autonomia e pode virar fantoche nas mãos do mais poderoso.
O X sofrerá boicote forte, tanto internamente quanto noutros países do mundo que considerarem ter havido uso indevido dos aplicativos de rede social e pressão econômica que não pode haver como integrante de um governo. O caso de Musk é ainda mais grave, porque ele tem contratos com o governo americano com sua empresa Starlink, de satélites, e contratos com a Nasa.
Outra dificuldade que Musk encontrará tem relação com a China, que Trump considera inimiga dos Estados Unidos. Musk tem fábrica do carro elétrico Tesla na China. Se Trump impuser mesmo taxas de 60% em produtos chineses importados, perderá muito dinheiro. A não ser que decida levar sua fábrica para os Estados Unidos. A entrada de Musk no governo Trump promove uma distorção inaceitável do papel de empresários na definição de políticas públicas.
A confirmação do senador Mark Rubio como secretário de Estado informa também que o presidente eleito está disposto a estressar ao máximo as disputas, indicando políticos que, além de fiéis, são radicais em seus posicionamentos, não dando margem a negociações. No caso de Rubio, a situação do Brasil sob Lula é delicada, pois o futuro secretário considera o presidente brasileiro um comunista de quatro costados. É um equívoco, que beneficia Bolsonaro. Não deve ser prioridade para o governo dos Estados Unidos, nem motivo para uma pressão diplomática extemporânea. Mas é um complicador nas relações bilaterais.