O embate que se trava hoje dentro do governo sobre a redução de gastos para o equilíbrio fiscal é o de uma visão ultrapassada de certa esquerda petista contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, sem deixar de ser de esquerda, entendeu que para melhor servir à causa dos mais pobres é preciso que a economia esteja equilibrada e os gastos tenham uma definição clara para que os desperdícios não se voltem justamente contra os menos favorecidos da sociedade.
Não é por acaso que outro ministro da Fazenda petista, Antonio Palocci, foi na mesma direção no primeiro governo Lula, fazendo com que o governo mantivesse as linhas mestras vindas do governo anterior de Fernando Henrique, cuja continuidade só beneficiou o crescimento brasileiro. Foi nesse ritmo que o governo Lula recebeu o grau de investimento, sendo Henrique Meirelles o presidente do Banco Central, quase demitido pela pressão da ala “desenvolvimentista” do PT, que já se preparava para substituir Meirelles pelo economista Luis Gonzaga Belluzzo.
Sempre que o governo tentou colocar em prática uma política econômica mais genuinamente petista, deu com os burros n’água, com a nova matriz econômica de Guido Mantega. A diferença hoje é a influência de Haddad dentro do PT, que não se compara com a que tinha Palocci na sua época. O presidente Lula resiste muito ao corte de gastos, e o fato de ter chamado os ministros que serão afetados por eles para o debate das medidas mostra isso. Claro que sabia que essa discussão atrasaria a tomada de decisão, e o mercado desconfia de que essa é a sua intenção.
Mas Lula não tem outra saída. Se não fizer agora, não terá mais condições de fazê-lo. A eleição de Donald Trump, neste sentido, é até uma boa notícia para ele, porque dá margem para alegar que precisa agir antes que o novo presidente americano comece a fazer o que prometeu, que deve ter reflexos no Brasil, na inflação e nas exportações. O ministro Fernando Haddad ganhou novos argumentos para convencer o presidente com a eleição de Trump.
Lula, compreensivelmente diante de sua história política, tem dificuldade de cortar na Previdência, em reduzir gasto com saúde e educação, mas dá para fazer sem afetar muito o resultado. A exigência de 25% do orçamento com a saúde ou educação pode ser alterada por uma emenda constitucional, mas a resistência do Congresso será presumivelmente forte. Mas sem esses cortes, o Brasil nunca conseguirá se equilibrar, o que é pior para os que Lula diz proteger.
É preciso pensar no Brasil, e não apenas no eleitorado deste ou daquele partido ou líder. O presidente Lula tem razão quando diz que o Judiciário e os empresários precisam dar suas contribuições, e ele é quem tem que fazer pressão pública em cima dos setores que precisam contribuir. Não é possível esse gasto absurdo das emendas parlamentares ser intocável, nenhum país aguenta um gasto assim. Fora que eles não têm nada a ver com um planejamento nacional de desenvolvimento, mas com interesses pessoais.
No mesmo momento em que precisa tratar o equilíbrio das contas públicas como prioridade, o governo de Lula tem uma maioria ilusória no Congresso, que não lhe dá garantia de aprovar medidas polêmicas. Perder no Congresso a batalha do corte de gastos é mais desgastante politicamente, e essa ameaça também deve ser levada em conta pelo governo com vistas a 2026. A vitória de Trump nos Estados Unidos deu novo gás ao bolsonarismo como movimento político, e fez renovar o crédito de Bolsonaro diante de seu público.
Mesmo que não tenha consequência prática em relação à inelegibilidade de Bolsonaro, sua proximidade com o “homem mais poderoso do mundo”, como gosta de enfatizar, lhe dá um status que fecha a porta para o surgimento de substitutos, que somente serão liberados “quando eu morrer”, garante Bolsonaro. Disputa de líderes populistas que continuará, pelo visto, até 2026.