Morreu, aos 79 anos, o poeta, compositor, filósofo e Acadêmico Antonio Cicero nesta quarta-feira, 23 de outubro. Ele foi submetido a um procedimento de suicídio assistido, na Associação Dignitas, na Suíça. Antonio Cicero foi para Paris na semana passada com o companheiro Marcelo Pies e de lá para Zurique. Segundo Marcelo, Antonio Cicero vinha planejando há algum tempo a ida à Suíça, mandando documentos e informações à clínica e não queria que ninguém soubesse.
“Passamos alguns dias em Paris para ele se despedir da cidade que tanto admirava”, disse Marcelo, que mandou hoje aos amigos a carta de despedida do poeta:
Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.
O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de
Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas
no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas
pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu
mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha
terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico
até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que
quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!
Na quinta-feira, 10 de outubro, o Acadêmico participou da sessão solene da ABL, quando leu um poema da Carlos Drummond de Andrade. Em julho, fez sua última conferência, “A poesia de Antonio Cicero”, quando falou sobre sua produção poética e as circunstâncias que inspiram um poeta a escrever. Declamou as poesias de que mais gostava, várias dedicadas ao seu companheiro, Marcelo Pies.
A ABL fará uma Sessão da Saudade em sua homenagem nesta quinta-feira. Todas as atividades de hoje e amanhã foram canceladas.
Para o presidente da ABL, Merval Pereira, Antonio Cicero é um dos maiores poetas de sua geração e a escolha da morte assistida demonstra sua fortaleza diante da vida. “Preferiu morrer a viver sem poder fazer o que mais gostava: ler, escrever, filosofar. Uma escolha corajosa e coerente com o sentido que via na vida. A ABL programara para o final do ano uma homenagem a ele com um espetáculo em que sua irmã, Marina, cantaria suas músicas. Uma homenagem, agora póstuma, a um grande poeta brasileiro”.
Antonio Cicero Correia Lima tornou-se conhecido no fim dos anos 1970 como letrista das canções de sua irmã, Marina Lima.
Entre suas principais obras, estão o ensaio "O mundo desde o fim" (1995) e duas coletâneas poéticas: "Guardar" (1997, Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira) e "A cidade e os livros" (2002). Produziu ainda várias letras de canções como "Fullgás", "Pra começar" e "À francesa" – as duas primeiras em parceria com sua irmã, e a última com Cláudio Zoli.
Trajetória
Nascido no Rio de Janeiro em 6 de outubro de 1945, Antonio Cicero foi compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor. Entrou para a Academia Brasileira de Letras em 10 de agosto de 2017, na Cadeira 27, na sucessão de Eduardo Portella.
Filho dos piauienses Amélia Correia Lima e Ewaldo Correia Lima, um dos intelectuais fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo sido também diretor do BNDE durante o governo JK. Em 1960, Ewaldo assumiu um cargo executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que então acabava de ser criado, e toda a família se transferiu para Washington, D.C.. onde Antonio Cicero fez seus estudos secundários.
De volta ao Brasil, Cicero cursou filosofia na PUC do Rio de Janeiro e, depois, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Em 1969, devido a problemas políticos, foi para Londres, onde concluiu o curso de filosofia na Universidade de Londres. Em 1976, fez pós-graduação na Georgetown University, nos Estados Unidos, onde estudou grego e latim, o que lhe permitiu ler no original clássicos como Homero, Píndaro, Horácio e Ovídio. Posteriormente lecionou Filosofia e Lógica, em universidades do Rio de Janeiro.
Antonio Cicero começou na poesia ainda jovem, mas seus poemas só apareceram para o grande público quando sua irmã, a cantora e compositora Marina Lima, passou a musicar um deles. Desde então, passou a escrever, além de poemas para serem lidos, letras para as melodias que Marina – e, depois, outros parceiros – lhe enviavam.
Produziu várias letras de canções como, por exemplo, as de Fullgás, Pra começar e À francesa – as duas primeiras em parceria com sua irmã, e a última com Cláudio Zoli.
Entre outras parcerias, destacam-se aquelas com Waly Salomão, João Bosco, Orlando Morais, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos (coautor, junto com Antonio Cicero e Sérgio Souza, do hit O Último Romântico, de 1984).
Foi colunista do jornal Folha de S. Paulo de abril de 2007 a novembro de 2010.
23/10/2024