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Centro-direita se impõe

 

A explicação do ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, sobre o resultado das eleições, amplamente favorável à direita, faz sentido, embora na prática o governo do presidente Lula não represente um governo de uma ampla coalizão. Mas estará cada vez mais aberto a essa ampliação de forças fora da esquerda, não por convicção, mas por imposição da realidade política.

A polarização no Brasil não acabou, mas foi muito amenizada pelas campanhas municipais, porque os principais fatores dessa polarização, Lula e Bolsonaro, os dois líderes populares mais seguidos no país, não quiseram entrar na disputa direta, por cálculo político. Lula chegou a afirmar que esta eleição seria a definição sobre a polarização e que a disputa seria mesmo entre direita e esquerda.

Foi o que aconteceu, mas não no sentido de aniquilamento do adversário. A direita obteve vitória sensível e importante no país todo, mas não foi a direita que Bolsonaro controla ou que quer que a esquerda não exista. Foi uma direita, com raras exceções, que negocia como forma de fazer política e rejeita a radicalização de um Marçal. Até Bolsonaro rejeitou o dissidente radical, mais por cálculo político que por convicção, sem alimentar a ferocidade da disputa, que já foi sua e poderá voltar a ser.

Uma das razões por que Lula não quis entrar no enfrentamento direto é fazer um governo que, formalmente, une várias tendências políticas. Ele já entendeu que a esquerda não tem forças para governar sozinha. Partiu na frente do PT — que sempre foi refratário a esse tipo de união e só quis saber da direita cooptada. Deu no mensalão. Lula era assim também, usando verbas, ministérios e outros desvios de rota para controlar os partidos de direita, não como parceiros de governo.

Hoje, temos um governo que ainda é muito petista, mas já tem abertura para outros partidos e precisará ter mais, porque o Centrão e a direita saíram vitoriosos nesta eleição, e a esquerda muito enfraquecida. Não se pode dizer que a direita que venceu vai na direção do que Bolsonaro era, ele próprio momentaneamente não é mais aquele radical que presidiu o país e tentou dar golpe. Não que tenha mudado de opinião, feito um mea-culpa, mas, diante de Marçal, parece ter se dobrado às regras democráticas.

A direita que predomina hoje é do Centrão, do PSD de Kassab, de governadores como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema. Enquanto tiver esperança de negociar seu futuro para concorrer em 2026, Bolsonaro ficará um pouco mais comportado diante do jogo democrático. Todas essas circunstâncias fizeram com que a polarização fosse domada nesta eleição, para o bem da democracia.

O PSD elegeu o maior número de prefeitos. Seu presidente, Gilberto Kassab, é um exemplo dessa política que prevaleceu. Sabe fazer acordos e negociar com outros partidos. O governo Lula terá de ceder espaço maior para a centro-direita, e nada indica que esse grupo apoiará a esquerda na eleição de 2026. A esquerda terá de rever sua aproximação com a baixa classe média e os mais carentes, pois os instrumentos de apoio a esse grupo já estão incorporados ao cotidiano deles e não são mais vistos como razões para votar no PT ou em Lula.

Sabem que qualquer governo, de qualquer ideologia, não terá condições de encerrar esses programas sociais. Vide o próprio Bolsonaro, que chamava os que recebiam o Bolsa Família de vagabundos e acabou triplicando o valor do depósito por necessidade política. Um charlatão como Marçal conseguiu o apoio de quase 30% do eleitorado paulistano vendendo sonhos de empreendedorismo. Quem está no governo tem condições de proporcionar realidade, não sonho, para os cidadãos interessados em trilhar um caminho próprio na vida, sem depender de sindicatos ou partidos políticos. Claro que esse caminho não é simples como vendem os Marçais da vida, mas um governo consequente pode respaldar políticas públicas nesse sentido.

O Globo, 08/10/2024