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Tumores em garrafas

 

Agora é lei. Na Irlanda, um dos países em que mais se bebe no mundo, as empresas de qualquer bebida alcoólica, incluindo cerveja e vinho, serão obrigadas a imprimir no rótulo das garrafas advertências como "Existe uma ligação direta entre o álcool e cânceres fatais" e "Beber álcool causa doença hepática". A segunda é óbvia —todo mundo sabe ou desconfia de que beber faz mal ao fígado. Já a associação entre álcool e câncer só é descoberta quando o sujeito é diagnosticado com um tumor e o médico lhe explica por que ele foi premiado.

Foi o que me aconteceu em janeiro de 2005, quando ouvi do dr. Jacob Kligerman, aqui no Rio, que tinha um câncer de base de língua, provocado, segundo ele, pela combinação de tabaco e álcool. Eu ainda fumava, mas já abandonara a bebida havia 17 anos, em 1988. Não importava, disse Jacob: meus mais de 20 anos na ativa alcoólica tinham preparado o terreno para a bomba explodir muito depois. Seis meses de duro tratamento com Jacob e sua equipe, incluindo rádio e quimioterapia e cirurgia, me devolveram zerado à praça. Hoje são 19 anos sem fumar e 36 sem beber. Mas bati na trave.

A tabelinha mortal álcool-câncer foi objeto, há dias, de um relatório da Associação Americana de Pesquisa do Câncer. Os anos que se passaram desde 2005 deram à ciência instrumentos muito mais poderosos para embasar esta certeza. Outro estudo recente, que acompanhou 135 mil britânicos por mais de uma década, revelou que até bebedores leves e moderados apresentaram mais casos de câncer do que a média dos não bebedores. Entre os tumores mais frequentes, os de esôfago, mama, colorretal, fígado, estômago, cabeça e, como no meu caso, pescoço.

Essas mensagens, mesmo alterando o belo design dos rótulos do Johnnie Walker, do Romanée-Conti e da Brahma, também serão impostas aqui

Folha de São Paulo, 26/09/2024