Ao ler algumas colunas recentes em que tenho demonstrado preocupação pelo avanço da inteligência artificial, um alto informata de minhas relações disse que tenho razão em ficar apreensivo. Mas, por outro lado, me tranquilizou. "Um robô, hoje, é capaz de fazer uma cirurgia num cérebro humano a 1.000 quilômetros do hospital", ele disse. "Pode também desligar todo o sistema de energia de um país com um clique. E tem memória para abrigar o conteúdo de dez Bibliotecas do Congresso dos EUA. Mas há uma coisa que ele ainda não faz: descer uma escada."
Se isso lhe parece tosco, pense melhor. Tente visualizar um robô humanoide, como já existem muitos, tentando descer uma escada. Conseguirá dar um passo à frente do outro, degrau por degrau, sem esboroar-se escada abaixo? Precisará se segurar no corrimão, como nós, reles idosos? Conseguirá deslizar por esse corrimão, como faz qualquer garoto com o dedo no nariz?
E o que dizer de outras façanhas que só os humanos de habilidade e inteligência superiores conseguem desempenhar? Exemplos. Achar a ponta de uma fita durex que grudou no rolo. Colar qualquer coisa com superbonder sem colar também o dedo. Abrir um carrinho de bebê sem ser mãe. Abrir a embalagem da maioria dos produtos brasileiros. Desencravar uma unha. Matar uma pulga na camisola. Diagnosticar uma dor que, como dizia Tom Jobim, "começa aqui de baixo e responde na cacunda". Beijar bem.
Uma robô provavelmente simulará um orgasmo com facilidade, mas será capaz de ter um? Estou supondo que robôs farão sexo. Aliás, como sabemos, eles operam pelo primário sistema binário —0 e 1, sim e não, homem e mulher. É um ou outro. Assim, será possível haver robôs homo, bi, tri, trans, queer, demi, agênero, pangênero, intergênero e outras variações do espectro humano?
Se os robôs um dia nos vencerem, será porque conseguimos perder para nós mesmos.