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São dúvidas

 

Um amigo acaba de levar uma rasteira de alguém que, para todo mundo, era seu fiel escudeiro. A fidelidade do dito escudeiro custou ao meu amigo alguns milhares de reais. Isso me alertou para o fato de que, além do risco de se confiar em "fiéis escudeiros", está o de darmos de barato certas expressões e repeti-las sem pensar. Por que todo escudeiro seria fiel? A obra de Alexandre Dumas está cheia de escudeiros infiéis. E como classificar alguém como "o último dos moicanos"? Como saber? Quem garante que, em alguma grota perdida no Wisconsin, não haja um moicano escondido, com o cabelo cortado a tacape?

Da mesma forma, por que, ao ficarmos sabendo que alguém está nas últimas, ouvimos que "o gato subiu no telhado"? Tenho quase 50 anos de convívio diário com gatos, alguns em casas com telhados, e nunca vi um deles cair lá de cima. Gatos pulam de qualquer lugar e sabem até planar. E por que se diz de alguém que enxerga muito bem que tem "olhos de lince"? Por acaso já li em algum lugar que os linces não são dos mais bem dotados para enxergar à distância. Donde a ideia de um lince míope, precisando de óculos, não é absurda.

Outra expressão que sempre me intrigou é "fechar-se em copas". É quando alguém se retrai e não diz nada que não queira dizer. Certo, mas por que "em copas"? Por que não em paus, ouros ou espadas, naipes igualmente nobres do baralho?

Por que um sujeito tíbio é "um banana" e alguém que se passa por outro é "um laranja"? Qual é a relação entre eles e essas frutas a que devemos tantos sabores e prazeres? E quando se diz que fulano "rasgou elogios" a beltrano? É possível "rasgar" um elogio? Depende do que é feito um elogio e, mesmo assim, será possível rasgar algo imaterial?

Por fim, por que alguém estaria "feliz como um pinto no lixo"? E se for um lixo reciclável, não orgânico? O pinto estará tão feliz assim? Enfim, são dúvidas.

Folha de São Paulo, 19/08/2024