Era início de 1974, o general de Exército da reserva Ernesto Geisel, eleito presidente da República meses antes, passeava com o assessor Oswaldo Quinsan nos jardins de sua casa em Teresópolis quando perguntou de chofre:
— O que fazemos com o Delfim?
Homem sem papas na língua, Quinsan, que trabalhara com Geisel na Petrobras e era seu chefe de gabinete no Palácio do Planalto, respondeu:
— Manda prender.
Delfim era muito forte ainda, impossível prender, mesmo que Geisel quisesse. Pretendia ser governador de São Paulo para chegar ao Palácio do Planalto no final do governo Geisel. Acabou tendo de se contentar com o cargo de embaixador do Brasil na França, onde seus inimigos diziam que era conhecido como “Monsieur Dix pour Cent”.
Brigado com Geisel por causa de decisões na Petrobras quando era ministro da Fazenda, cheio de inimizades que cultivou durante os anos de poder, acabou sendo o candidato a presidente preferido de alguns assessores do presidente Figueiredo, como Heitor Ferreira, secretário particular e homem poderoso nos governos Geisel e Figueiredo, que tinha sobre uma mesinha de vidro de seu gabinete no Palácio do Planalto uma revista com a cara de Delfim na capa. Volta e meia arranjava um jeito de arrumar a revista na mesa, para forçar o interlocutor a manter contato visual com ela. O apoio de Heitor, muito ligado historicamente ao chefe do Gabinete Civil Golbery do Couto e Silva, era entendido como o apoio de Golbery.
Assim como conseguiu voltar ao governo na gestão Figueiredo, escolhido por Geisel seu sucessor, Delfim Netto, findo o golpe militar, conseguiu transitar bem em vários espectros políticos, e esse é um aspecto exemplar para defini-lo. Foi um dos principais líderes civis do golpe de 1964, dominou a economia durante três governos (Costa e Silva, Médici e Figueiredo) e durante a Junta Militar, como ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, e foi considerado o pai do Milagre Econômico. Ao mesmo tempo, deixou o legado da hiperinflação, consequência desastrosa para a economia brasileira.
Soube se adaptar ao fim do regime militar, foi eleito deputado federal por cinco mandatos e teve atuação importantíssima na Constituinte de 1988, nos debates econômicos e no apoio aos governos Lula 1 e 2. Enquanto foi ministro, colocou o desenvolvimento econômico acima de tudo, tanto que, na reunião do AI-5 — além de apoiar e assinar —, conseguiu uma definição do governo para que assumisse o controle de vários fundos de investimento de estados e municípios, que estavam fora do alcance do Ministério da Fazenda.
Depois entendeu que o poder político havia voltado aos civis, foi para o Congresso e passou a ser um interlocutor importante no governo Lula, apoiando o lado da política de desenvolvimento social do governo. Foi um político aguçadíssimo, sabia manobrar situações e se sair bem. Todos achavam que, ao fim do governo militar, seria um dos primeiros a ser perseguido e perderia todo o poder que teve na ditadura. Ao contrário, continuou prestigiado e teve a sabedoria de fazer parte do poder civil que retomava o comando do país.
Quando, em 2006, oficializou seu apoio à reeleição de Lula, estava em seu quinto mandato e não conseguiu se reeleger. Lula atribuiu a derrota eleitoral de Delfim a uma vingança dos burgueses seus eleitores, fato que relembrou agora na morte. O presidente arrependeu-se dos 30 anos em que criticou Delfim. Mesmo sem cargo, ele continuava a ser ouvido por Lula e por presidentes seguintes, além de políticos de vários partidos que o procuravam.
Era diferenciado — a começar pela saúde. Obeso, não fazia exercícios e, muito inteligente e irônico, dizia que estava muito bem e que exercício fazia mal. E assim foi até os 96 anos. Até nisso foi alguém fora dos padrões. Marcou sua presença na vida pública brasileira de maneira indelével.