Um debate de que participei nesta terça (6), na Livraria da Travessa, com meus confrades Rosiska Darcy de Oliveira e Joaquim Falcão, da Academia Brasileira de Letras, e o jornalista Fernando Gabeira, tratou da ameaça que pende sobre a palavra escrita diante da inteligência artificial. Discutiu-se a diferença entre as medidas tomadas contra a palavra no decorrer da história —fechamento de gráficas, censura prévia, apreensão de livros e jornais, perseguição, prisão e até morte de escritores e jornalistas— e as atuais, incorpóreas, intangíveis e talvez inimputáveis.
A diferença é que aquelas medidas eram materiais, possíveis de ser enfrentadas. Hoje, não se trata mais de apagar a palavra, mas de nos induzir a usá-la contra nós mesmos. Uma simples consulta ao extrato bancário ou sobre qualquer assunto no celular permite aos algoritmos aprenderem instantaneamente tudo a nosso respeito e repassá-lo a um ente abstrato, que passa a decidir sobre o que queremos ou precisamos. O Google tornou-se dono da nossa vontade.
Em cerca de 400 a.C., Aristóteles codificou o silogismo, o processo em que duas premissas conduzem a um conhecimento lógico, à conclusão. Esses três elementos, as premissas e a conclusão, foram a base de tudo que fizemos até hoje. Ou até ontem porque, de repente, tornamo-nos meras extensões de um sistema binário que nos reduziu a um sim ou não, a um isto ou aquilo, sem as zonas de dúvida e de sombra que nos tornam humanos.
E o que dizer do mundo que agora cabe na palma da mão, ao alcance do dedo de uma criança, e faz com que as necessidades dessa criança sejam satisfeitas em 1 segundo, aviltando-a, dispensando-a da experiência do convívio e da socialização?
Não foi um debate exatamente otimista. Aventou-se a hipótese de termos sido invadidos por seres de outro planeta. Mas pode ser pior. Talvez eles já nos tenham roubado o planeta.