Não acredito que Bolsonaro tenha sido eleito presidente da República em 2018 devido ao atentado à faca que sofreu na campanha presidencial. A ausência de Lula na urna eletrônica já mostrava que o PT não teria candidato para substituí-lo à altura, não digo do ponto de vista de qualidades morais ou cívicas, pois Fernando Haddad era um excelente candidato, mas olhando a capacidade eleitoral.
O atentado na Pensilvânia, assim como o de Juiz de Fora, é consequência da radicalização política que toma conta das eleições nos Estados Unidos e no Brasil e põe em risco a democracia em ambos os países, um fenômeno provocado por forças políticas que não aceitam a derrota como natural em disputas eleitorais e estimulam mentes doentias.
A reação do presidente Joe Biden teve, justamente por ser equilibrada e sensata, o efeito de puxar o debate para seu lado mais positivo: aceitar o resultado das urnas sem contestação. A posição de Biden, não desistindo de disputar a eleição mesmo correndo sério risco de perdê-la, pode ser entendida como simples teimosia prejudicial ao Partido Democrata, mas tem também a qualidade de destacar o reconhecimento de que nem sempre é possível vencer todas as eleições que se disputam, e nem por isso a democracia estará ameaçada.
A dificuldade desse raciocínio é que, do outro lado, está um candidato como Trump, que se vale de todos os artifícios, legais e ilegais, para chegar à vitória. E que, mesmo depois de ter sido responsável por um atentado à democracia ao estimular a invasão do Capitólio para impedir que os congressistas validassem a eleição de seu oponente, continua insinuando que só aceitará o resultado eleitoral se for a seu favor.
Uma desistência de Biden a esta altura poderia ser um freio de arrumação na campanha do Partido Democrata, abrindo novas portas para a vice, Kamala Harris, e para o eleitorado. No Brasil, por ter demorado excessivamente para apontar Haddad como seu substituto, Lula perdeu o momento certo para talvez impedir a ascensão de Bolsonaro ao poder, mesma situação em que agora se encontra Biden.
Já existem razões suficientes para que a sociedade americana saiba que repetir a experiência de ter Trump no governo pode vir a ser um desastre sem tamanho. Se Biden não estivesse tão prejudicado em sua saúde, provavelmente poderia vencer a eleição, já que seu governo tem sido exitoso. Em 2018, não tínhamos ainda uma experiência de Bolsonaro como presidente, mas em 2022 já havia exemplos suficientes para estimular eleitores que, mesmo não gostando de Lula, sabiam que a reeleição de Bolsonaro não era uma escolha.
A maneira como Bolsonaro governou, usando o Estado em benefício próprio, fato demonstrado mais uma vez no episódio da Abin paralela que agora se revela em bom som nas próprias palavras do presidente e de seus assessores mais diretos, não dá direito a que se continue acreditando que não houve manipulação do Estado brasileiro. A tragédia brasileira é que a opção apresentada em 2022 também trazia consigo uma experiência desastrada, que não foi superada pela realidade do governo petista de hoje. Licitações fraudadas, como a da compra de arroz no Rio Grande do Sul ou a do Ministério das Comunicações, ambas anuladas por corrupção, são exemplos de que não aprenderam nada, não esqueceram nada.