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No que isso vai dar

 

Uma velha amiga jornalista, hoje professora da graduação, estava me contando: "É uma luta para fazer com que os alunos leiam um livro inteiro. Eles vivem grudados no TikTok ou no Instagram e não têm concentração. Outro dia, ao ver que todos estavam no celular, parei a aula. Perguntei a alguns o que estavam vendo —e muitos não se lembravam. Não se lembravam do que tinham acabado de ver 15 segundos atrás! Um deles disse que estava comprando uma calça comprida. Para usar a palavra que eles mais dizem, não têm ‘foco’."

"Não é só a facilidade das mídias digitais", ela continuou. "A falta de gosto pela leitura é culpa também da pandemia, da preguiça e, agora, entrando firme, da inteligência artificial. Na pós-graduação, não tem jeito, os alunos são obrigados a ler. Mas, na graduação, recorrem aos resumos de livros na internet, às lives, às gravações. Claro que não são todos assim. Alguns são inteligentes e fazem coisas que não aprendemos no nosso tempo, como editar áudios e vídeos. Sabem falar e, até certo ponto, escrever. Mas, ler??? No que isso vai dar?"

Nos EUA, uma organização denunciou o declínio dos estudantes americanos em leitura, matemática e ciência, pela falta de atenção provocada pela distração digital. Os filmes têm ritmo cada vez mais acelerado, com takes de menos de um segundo. As músicas estão cada vez mais curtas. O vocabulário encolheu, o que significa que, em breve, só poderão expressar ideias muito simples. Não toleram nada que passe de dois minutos e meio.

Minha amiga tem razão: no que isso vai dar? Esses garotos serão os médicos, cientistas, engenheiros e juristas do futuro? Ou só chegarão a isso os excepcionalmente bem dotados, que, cada vez em menor número, ainda existem?

Ao ouvir que o aluno estava comprando uma calça durante a aula, minha amiga disse: "Oba! Vou aproveitar e fazer minhas compras da semana!".

Folha de São Paulo, 13/07/2024