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Os descaminhos de Bolsonaro

 

Sempre estranhei que, mesmo passados muitos anos, a decisão de fazer busca e apreensão na casa de suspeitos de crimes dê frutos para investigações criminais. Mais uma vez aconteceu, agora no computador do atual deputado federal e pré-candidato (ainda?) à prefeitura do Rio Alexandre Ramagem, que guardava diversas gravações de conversas com o então presidente Bolsonaro, que demonstram que o governo anterior montou um esquema paralelo de investigação para fins pessoais.

Essa decisão, proposta pelo filho vereador Carlos, havia sido barrada pelo ex-ministro Gustavo Bebianno, quando ainda tinha força no Palácio do Planalto. Sua demissão do cargo, logo no início do governo, deveu-se a esse embate, quando não se tinha ainda noção exata da força que o filho 02 tinha junto ao pai.

O caso da “Abin paralela” para espionar adversários políticos e obter informações sobre investigações que pudessem atingir o presidente e sua família revelou mais uma vez as entranhas do governo, confirmando o que se soube pela boca do próprio presidente naquela fatídica reunião ministerial de 2020, que acabou sendo divulgada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nada mais espontâneo, justamente porque ele não vislumbrava a possibilidade de o vídeo vir a ser divulgado, do que a exortação de Bolsonaro em favor de um sistema de informações mais eficiente para proteger sua família e seus amigos. A fala presidencial naquele momento justificaria o pedido de demissão de qualquer ministro que levasse a sério a democracia numa República.

Imediatamente vieram à mente as denúncias do ex-ministro Gustavo Bebianno, já falecido, de que, logo no início do governo, o filho vereador Carlos levara ao Planalto a proposta de criar uma “Abin paralela” para fornecer ao presidente informações que não poderiam ser repassadas devido a restrições legais. Pois as informações da Polícia Federal levam à certeza de que realmente foi montado um esquema paralelo para servir de apoio ao presidente e a seus filhos. Já havia o vídeo da reunião ministerial, quando, além de dizer que os serviços de informação não eram eficientes, Bolsonaro afirmou que a agência de informação “dele” funcionava melhor, revelando, por ato falho, que tinha uma a seu dispor.

A preocupação inicial do governo era montar um esquema que desse segurança a Bolsonaro de saber o que acontecia para proteger os amigos, os filhos ou para investigar os adversários. As investigações vão nesse caminho e confirmam até agora todas as desconfianças que havia em torno da vontade de Bolsonaro de controlar as informações para se proteger e de usá-las como moeda de troca na negociação política.

O esquema organizado pelo hoje deputado federal Alexandre Ramagem é tão complexo que, quase dois anos depois da eleição do presidente Lula, a investigação vai demonstrando que até hoje a Abin está infiltrada por bolsonaristas. A ponto de o ministro Alexandre de Moraes não permitir que a Abin oficial receba as informações contidas nas investigações.

Proibir que Ramagem assumisse o comando da Polícia Federal em 2020 mostrou-se decisão correta. À medida que as investigações avançam, em diversas direções, vão sendo confirmadas as intenções golpistas do governo anterior e, mesmo tendo começado de maneira arrevesada, os inquéritos sob o comando do ministro Alexandre de Moraes no STF vão ganhando a legitimidade dada pela realidade que se desvenda.

Não é para menos a irritação do ex-presidente Bolsonaro ao constatar que o seu “afilhado”, apoiado por ele para disputar a prefeitura do Rio, o havia traído gravando e mantendo guardados os áudios que o incriminam e a seu filho Flávio no caso das rachadinhas de seu gabinete. As investigações mostram que inimigos políticos, aliados duvidosos, ministros do STF, jornalistas, militares, todos eram alvo da Abin paralela de Ramagem. Bolsonaro ainda está tentando entender por que Ramagem gravou as conversas e as manteve, antes de decidir se muda de candidato no Rio. Nessas relações clandestinas promíscuas surgem mais provas dos descaminhos do governo Bolsonaro, enredado em tramas criminosas.

O Globo, 14/07/2024