Muitos de nós no Brasil estamos acostumados, nos últimos anos, a anular o voto ou a votar no “menos pior”, geralmente escolhendo um dos candidatos para evitar que o outro vença. Acaba que não temos projeto de país, políticas de longo prazo são exceções, como o equilíbrio fiscal do Plano Real ou o Bolsa Família. Este, por sinal, é um dos melhores exemplos de como uma política de Estado pode se desenvolver por governos de partidos diferentes, mas com visões coincidentes em alguns campos.
O Bolsa Família nasceu da união de vários projetos sociais iniciados em governos do PSDB, com o mesmo objetivo. Tornou-se política irremovível até mesmo com a ajuda do governo Bolsonaro, que nada tem a ver com a social-democracia que une PT e tucanos. A força eleitoral do Bolsa Família substituiu um projeto político que pretendia usar o mecanismo para dar poder a lideranças fora da política partidária, pois os prefeitos não teriam o controle do cadastro.
A ideia de Frei Beto, um dos principais assessores de Lula em seu primeiro governo, era usar o Bolsa Família como moeda de troca com as lideranças populares locais, criando um poder paralelo ao estamento político tradicional. Foi acusado de querer criar comitês soviéticos no interior do Brasil, especialmente com o embrião do Bolsa Família, o fracassado Fome Zero. Foi Patrus Ananias, então ministro de Desenvolvimento Social, quem vislumbrou o poder eleitoral do Bolsa Família, que voltou a ser controlado pelos prefeitos e garante até hoje a supremacia petista no nordeste brasileiro.
O avanço da direita no país e no mundo deve-se, na visão de muitos, à troca da ação da esquerda no campo social, priorizando atualmente temas identitários aos cuidados do cotidiano do eleitorado. Na busca da segurança pública e individual, o cidadão prefere a violência policial à defesa dos direitos humanos, sem se dar conta de que essa violência pode se voltar contra ele e sua família nas regiões mais pobres. Apoiam inclusive a liberação do uso indiscriminado de armas, que acaba favorecendo os criminosos.
A polarização política favorece medidas radicais, de ambos os lados, deixando pouca margem de manobra ao centro democrático. A não ser que um dos lados caminhe para o centro, ampliando a possibilidade de escolha do eleitor. Há um componente comum nas situações do Reino Unido e França, que é o partido trabalhista inglês e a direita francesa caminhando para o centro político.
O Partido Trabalhista inglês foi desradicalizado pelo novo líder Keir Starmer para se tornar uma alternativa para a maioria da população. Depois do Brexit, ficou complicada a situação econômica no Reino Unido. Está confirmado que foi uma decisão errada, momentânea, e circunstancial que a longo prazo prejudica o país. A vitória dos trabalhistas foi uma resposta do eleitorado britânico que só se deu porque o trabalhismo se adaptou às necessidades do eleitorado, e teve atuação mais condizente com o momento do que os conservadores.
Já na França, um dos temas da direita que lidera as eleições é justamente a saída do bloco europeu, parece que não aprenderam com os ingleses. Mas também lá a extrema direita voltou-se para o centro, abrindo um caminho alternativo ao eleitorado. Ao que tudo indica, é mais fácil neste momento que um líder de esquerda ou de direita caminhando para o centro democrático possa representar uma alternativa, ao contrário de anos atrás, quando Macron criou um partido para se eleger presidente da França.
O caminho da direita brasileira na direção do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, ou do de Goiás, Ronaldo Caiado, pode ser uma escolha nessa direção. No PT, Lula fez esse papel na eleição de 2022 e teve sucesso, embora não tenha concretizado o personagem que criou. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderia ser a alternativa petista.