Um tesouro me chega às mãos, vindo das águas do Rio Grande: a coleção de 51 CDs, "The Chronological Bing Crosby", contendo todas as gravações de Bing Crosby, dia a dia, de 1926 até 1950 —ano em que os discos singles em 78 rpm deram lugar nos EUA aos de 33 e 45 rpm, o que dividiu a história da indústria fonográfica. Nenhum outro cantor gravou mais do que ele. Nenhum lançou tantas canções que se tornaram standards. E nenhum vendeu mais discos —até hoje.
A caixa foi presente de um médico gaúcho, dr. Renato Failace, que ainda não conheço pessoalmente, mas que, de alguma forma, viu em mim seu irmão em Bing. O próprio dr. Renato é detentor de uma rara marca: tendo descoberto o cantor aos 12 anos, em 1944, e estando agora com 92, tem o privilégio de escutá-lo há 80 anos. Entre os milhares de dedicados crosbyanos no mundo, não deve haver muitos com esse histórico.
A coleção é uma façanha do produtor John McNicholas, que, com a ajuda de oito colegas americanos e britânicos, conseguiu reunir as mais de mil faixas que Bing gravou naquele período de 24 anos. Os discos de 78 rpm são objetos frágeis, sujeitos a rachar, quebrar, apagar a ponto de ficar inaudíveis ou serem jogados fora. É um dos objetos com menor expectativa de vida.
Pois aqui estão não só as faixas de Bing, mas os encartes com informações como data e local das gravações, número do take e até a formação dos conjuntos que o acompanham. O outro milagre é a qualidade da reconstituição sonora dos fonogramas, muitos gravados há quase 100 anos. Nunca se escutou tão bem o insuperável jovem Bing.
A façanha só é comparável entre nós à do paulista Omar Jubran, que há 20 anos reuniu em caixas de CDs as gravações originais das centenas de composições de Noel Rosa e de Ary Barroso. E teria feito ainda mais se, no Brasil, ao contrário dos EUA, o passado não fosse feito para ser jogado fora.