Todos conhecemos a lenda de que a fotografia rouba a alma do fotografado e achamos uma bobagem. Mas acabo de saber de alguém que, de tanto ser fotografada como uma pessoa com quem se parecia, teve não só sua alma roubada como o rosto e o corpo. Trata-se da atriz britânica Jeannette Charles, morta há dias (2.jun) em Londres, aos 96 anos. A pessoa com quem ela se parecia era a rainha Elizabeth 2ª.
A paixão de Jeanette sempre foi o teatro, mas quando Elizabeth foi coroada, em 1953, e se tornou o rosto do Reino Unido, ficou difícil para ela conseguir papéis. Era sósia da rainha, apenas um ano mais nova. Como iria fazer papéis românticos, em que tinha de beijar o galã, ou de vilã, esfaqueando alguém pelas costas? A plateia não entenderia —por que a rainha estaria fazendo aquilo? Jeanette teve de desistir. Trocou o palco pelos escritórios, tornou-se secretária e assim foi até os 45 anos.
Em 1972, pensando presentear seu marido com um retrato, posou para um pintor. Por sua incrível semelhança com Elizabeth, o quadro foi descoberto e proibido pela Royal Academy. A história chegou aos jornais e Jeannette começou a ser convidada para interpretar a rainha —em fotografias, filmes, TV, comerciais e aparições ao vivo. Aprendeu a falar como ela, estudou seus gestos e se tornou, para sempre, Elizabeth —sempre grave e digna. Daí ter recusado dois tremendos convites: posar para um anúncio de sutiã e para o pôster da Playboy.
Elizabeth nunca quis conhecer Jeannette. Talvez achasse que ela queria roubar-lhe a alma. Mas foi o contrário. Jeannette é que perdeu a dela. Eu me pergunto se, ao se olhar ao espelho, ela se via ou se via Elizabeth.
As duas envelheceram ao mesmo tempo, cada vez mais parecidas. Com a morte de Elizabeth em 2022, Jeannete pode ter achado que devia ir também. E foi. Mas seu enterro não teve cavalo de penacho nem pompa e circunstância.