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Desmemória coletiva

 

Ivan Lessa se queixava de que, no Brasil, a cada 15 anos esquecemos o que aconteceu nos 15 anos anteriores. Ivan, sempre tão rigoroso com o Brasil. Mas, digo eu, em outros lugares, até mais cultos, não é muito melhor. Só varia o tempo da desmemória. Muito do que de pior acontece hoje no mundo tem como causa o fato de grande parte da população ignorar o passado de seu país, dando de barato certos privilégios e conquistas e achando que é preciso mudar tudo.

Essa desmemória parece coletiva na Europa, com a extrema direita a ponto de tornar-se a segunda força política do continente. Já está no poder na Hungria, Eslováquia, Itália, Finlândia, República Tcheca e Países Baixos e começa a chegar perto em Portugal, Áustria, França, Espanha e, incrível, a Alemanha. Em todos, a mesma receita: populismo, nacionalismo, negacionismo, xenofobia, racismo, homofobia, ódio ao imigrante e slogans neonazistas.

O discurso com que seus líderes se vendem como solução para os problemas econômicos de seus países se baseia em demagogia, dados falsos e no desconhecimento da história pela população mais jovem. Em Portugal, o grosso dos adeptos do Chega, novo partido de extrema direita, tem entre 18 e 34 anos. Como vão se lembrar de que, antes de 25 de abril de 1974, seu país era o mais triste e atrasado da Europa?

No Brasil, os seguidores de Bolsonaro acreditam em tudo o que ele diz sobre os 21 anos da ditadura e sonham com a volta de um país que não conheceram e nunca existiu. É normal. Nasce um otário por minuto e o ser humano tem uma irresistível tendência a ser tapeado.

Mais incrível ainda é o culto a Donald Trump nos EUA. Nesse caso, trata-se de uma desmemória de quase 250 anos. Os constituintes de 1776, que julgavam estar fundando uma democracia para sempre, não contavam com um celerado que se valeria dela para tentar destruí-la e seria apoiado por milhões.

Folha de São Paulo, 13/06/2024