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Tragédia no RS: por que moramos todos no mesmo espaço

 

Nesses últimos dez dias, acompanhei a tragédia sem trégua que acontece no Rio Grande do Sul, na Praia de Ipioca, ao norte de Maceió. Percebi como o Brasil é igual em todas as suas paragens. Na época do CPC (Centro Popular de Cultura da UNE), defendíamos com entusiasmo a tese de que a Cultura Popular tinha em uma de suas ondas principais a de que era formada inicialmente pelas questões sociais de cada região do país. Hoje sabemos que não é bem assim.

Por mais atrasado que seja o país, alguma coisa claramente o une em uma dimensão cultural inesperada. No caso do Brasil, por exemplo, existem os valores que herdamos de uma cultura sofisticada que não nos foi possível exercer ou o que fomos obrigados a inventar outra coisa para resistirmos a essa obrigatoriedade de uma cultura especificamente nossa. Isso pode gerar, como é o caso brasileiro, análises equivocadas sobre o que finalmente somos.

Sendo a cultura o resultado de hábitos e costumes de um povo, não temos como restringir ao que dizemos o que forem nossas características; temos que ampliar esses valores até conhecer com mais precisão suas características sistemáticas. Só assim será possível começarmos a pensar no que somos.

Do Rio Grande do Sul a Ipioca, vivemos a mesma experiência frágil de uma ideia que cresceu conforme se passava o tempo. A ideia se baseava no fundo de nós mesmos diante de circunstâncias inesperadas.

A mesma miséria e o mesmo sofrimento de tempos e chuvas, disso não nos cabem dúvidas. Mas muito além disso nos cabe tomar consciência das circunstâncias culturais que nos fazem um só povo, seus medos, virtudes e esperanças. As semelhanças sendo mais poderosas que as diferenças, como se fôssemos criados por um só Deus onipotente que nos concedeu esse direito à opção. As semelhanças, é claro, sem as quais nos consideraríamos em paz.

O que é capaz de nos unir de fato é morarmos em um mesmo espaço, mesmo que estejamos afastados uns dos outros por milhares de quilômetros de rios e estradas, por água e asfalto que não significam nada quando se trata de comparar o comportamento de civilizações distintas e, no entanto, tão próximas como as nossas. Vou tratar em breve desse comportamento, por enquanto nos conformemos com o peremptório da afirmação. Domingo que vem estarei escrevendo sobre esses valores “divinos” que nos atiram nos braços do que de fato somos.

Ou, se for sua preferência, do que de fato pretendemos ser.

 

 

 

O Globo, 26/05/2024