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O futuro do Real

 

Várias comemorações dos 30 anos do Plano Real foram produzidas nos últimos meses, e muitas outras acontecerão, pois o Real, a moeda nacional que temos à mão hoje, é a mais longeva de todas as oito que tivemos desde o Cruzeiro de 1942, considerada uma “conquista histórica” que orgulha o país. Uma conquista coletiva, que teve como base professores integrantes do curso de economia da PUC do Rio de Janeiro, entre eles o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, e o ex-presidente do IBGE e do BNDES Edmar Bacha.

O livro do selo História Real do editor Robert Feith “30 anos do Plano Real, crônicas ao sabor do momento” reúne artigos escritos pelos três economistas que ganham dimensão histórica à medida que vão analisando os momentos decisivos da implantação do Real. Trata-se de uma narrativa sobre a reconstrução da moeda nacional, depois de sete moedas destruídas pela inflação, muitos zeros cortados, desvalorizações, transferências de renda forçadas, impostos inflacionários e turbulências financeiras, conforme definição dos autores.

Parte das crônicas não nos deixa esquecer que já tivemos uma inflação mensal de 82% em março de 1990, o último mês da Presidência José Sarney, que abriu espaço para um choque monetário com o confisco no primeiro dia do governo Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto em quase 30 anos. Outra parte dos relatos nos fala do futuro, do perigo de recairmos no vício inflacionário como um alcoólatra que dá o primeiro gole.

O livro relembra que o Real atravessou várias presidências, de todos os espectros políticos, de Itamar Franco a Lula, passando por Temer e Bolsonaro. Lula assumiu o governo em 2003 depois de críticas de petistas sobre o Plano Real ser um “estelionato eleitoral”. Manteve os pilares da política econômica anterior num primeiro momento, depois enveredou por caminhos tortos de uma nova matriz econômica.

Quis o destino que Lula voltasse ao governo justamente no 30º aniversário do Real, replicando no seu terceiro governo tentativas de mudanças econômicas que deram errado anteriormente, levaram à grave crise econômica no governo Dilma, e voltam a assustar com a adoção do lema kirchnerista (“Gasto é investimento”) que já havia sido adaptado por Dilma: “Gasto é vida”.

Lula, relembram os autores, foi o presidente que mais viveu sob o Real: 31,7% do tempo, contra FHC, com 26,7%. O economista e membro da Academia Brasileira de Letras, Edmar Bacha, dá uma importância fundamental à democracia para o êxito do Plano Real, “exemplo maior da união da boa técnica com a Política com P maiúsculo”. Para ele, o desafio “é conseguir canalizar a força da democracia para a construção de um país rico, justo, sustentável e aberto ao mundo. Em face dos desatinos de Bolsonaro, dos equívocos de Lula, da voracidade do Centrão e do desmonte da Lava Jato pelo STF, é razoável duvidar da viabilidade dessa empreitada. Mas a busca por um país Real segue em frente”.

Já o economista Gustavo Franco destaca os perigos da volta da inflação: “A inflação não está obsoleta, não há imunidade decorrente de contágio nem cura no passado”. Franco adverte que “não existe inflação do Bem, não há justificativa plausível para o uso de drogas pesadas que fazem mal à saúde. O ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan expõe os perigos de se aceitar a máxima de Kirchner: “A frase expressa bem uma postura muita difundida entre nós. Mas sempre caberá perguntar: qualquer gasto? Porque haja Tesouro, haja carga tributária, haja aumento de dívida bruta, haja impostos sobre geração futura, se qualquer gasto for considerado sempre investimento em “alguma coisa”. Sem definição clara de prioridades, sem fazer escolhas difíceis, sem avaliar o reduzido espaço para manobra – e para erro”.

A coluna volta a ser publicada no dia 4 de junho.

O Globo, 12/05/2024