A extrema direita viu na exuberância de Madonna um pretexto para atacar seus fãs, considerando-a representante demoníaca, líder de uma seita satânica que existe para destruir os valores do mundo ocidental. O uso do verde e amarelo, mais que uma singela homenagem ao país que tão bem a acolhe há mais de 30 anos, passou a ser o resgate de um símbolo nacional que havia sido sequestrado pela direita bolsonarista. O senador bolsonarista Jorge Seif foi a Copacabana com a mulher. Foi tão criticado que pediu desculpas.
Provavelmente a emissora (Madonna) não tinha a intenção de mandar uma mensagem contra Bolsonaro ou a favor de Lula. Os receptores (o público em geral) podem ter recebido a mensagem de maneira equivocada, tirando dela um recado político que não estava explícito. Ou melhor, o recado explícito era outro, a favor das liberdades individuais, marca da sua carreira. Em meio a esse debate ensandecido, que reflete a radicalização da política brasileira, Madonna estava onde sempre esteve, fazendo as mesmas coisas que sempre fez em seus shows, em todos os lugares do mundo em que se apresenta, inclusive no Brasil.
Se ela representa a vanguarda artística mundial, com gestos ousados e mensagens a favor das minorias, especialmente as sexuais, é porque acredita nessa luta, refletida em suas músicas e coreografias críticas ao capitalismo selvagem que a elevou aos cumes da glória. Mas não se recusou a fazer um merchandising da cerveja que patrocinou seu espetáculo. Ela faz questão de lembrar as dificuldades por que passou até chegar ao estrelato que lhe permite ousadias como simular sexo oral em público — ato que teve de fazer em privado para atingir a glória. Ela mesma, no show de Copacabana, contou, com falas e gestos, que teve de fazer muito blow job durante o início da carreira.
O trabalho que vem desenvolvendo de resgate dos afetados pela aids nos últimos anos, homenageando seus amigos mortos e outros ídolos, brasileiros inclusive, é louvável. Sua música e suas encenações são ações políticas, sem dúvida, mas não no sentido partidário. Confundir os milhões de pessoas que estiveram nas areias de Copacabana com potenciais esquerdistas, eleitores petistas a ser conquistados, é patético. Imaginar que quem não gostou ou se chocou com situações específicas do show é direitista e concorda com a tese demoníaca é outra besteira. Essa tese, aliás, limita o alcance da direita extremista, pois mesmo os que apoiam Bolsonaro não são majoritariamente adeptos de teorias extravagantes e retrógradas como essa. Difícil imaginar que os bolsonaristas, com essas bobagens, convencerão alguém a votar em Bolsonaro por causa da Madonna, que não tem nada a ver com nossa polarização política.
Outro sinal de que a esquerda está perdida nesse novo mundo digital é a tese circulando entre eles de que não tem a menor importância a falta de público na manifestação sindical de 1º de maio. Isso porque o que vale é a repercussão nas redes sociais, que foi grande. Também não importa que os comentários tenham sido, na maioria, críticos ao governo e aos sindicatos. O que importa, por essa tese, é que Lula liderou os debates políticos depois que deu apoio a Boulos, provocando a reação dos adversários e obrigando que se falasse nas eleições municipais. Não importa, dizem, que algumas pesquisas de opinião deem vantagem ao prefeito Ricardo Nunes, que concorre à reeleição. O que importa é liderar os debates, mesmo em minoria. É a velha máxima analógica: “Falem mal, mas falem de mim”.