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Briga eterna

 

A declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira, de que a disputa pelo Orçamento entre Executivo e Legislativo “continuará para sempre” é sinal de que o ambiente tenso entre os dois Poderes também continuará, não digo para sempre, porque pode-se encontrar um caminho de negociação, mas dificilmente teremos em curto prazo saídas para estabilizar a relação entre um Executivo “progressista” e um Legislativo “conservador”.

A dificuldade maior está em termos uma democracia multipartidária, com diversos partidos de porte médio que trabalham em nichos do eleitorado, não refletindo a média do pensamento brasileiro, mas sua divisão. O presidente disputa uma eleição majoritária, e durante muito tempo a liderança pessoal do presidente vale mais que seu partido. Bolsonaro já pulou para mais de dez partidos políticos, e é ele quem tem os votos.

Lula controla o PT desde a fundação, mas, se mudasse de partido, teria mais votos que qualquer outro candidato petista. Se em 2010 Lula elegeu facilmente Dilma para lhe suceder na Presidência da República, sem ele o PT perdeu força ao longo do tempo e, em 2022, foi eleito mais devido à rejeição da maioria a Bolsonaro que à sua popularidade. Ainda assim, se fosse outro o candidato petista, provavelmente Bolsonaro venceria.

Atualmente, pressionado pelo Congresso e sem a popularidade que o consagrou, Lula é obrigado a aceitar a submissão política ao desejo do Parlamento. O que está em disputa são vetos a ser derrubados em projetos que têm valor político — como a “saidinha” dos presos — e, alguns, monetário, por tratarem das emendas parlamentares, não apenas da liberação, como da data para liberá-las, dificultando o planejamento orçamentário governamental. Vai ser difícil conseguir mantê-los, embora o adiamento da sessão de ontem seja bom sinal para o governo, apesar da irritação de Lira.

Todos os governos pós-ditadura enfrentaram problemas no Legislativo, mas as emendas não eram impositivas, e o presidente da República tinha poderes que hoje não existem mais. Quem inventou a estratégia de controlar as emendas e contingenciá-las para negociar aprovação de projetos no Congresso foi Fernando Henrique Cardoso, e funcionou muito bem no governo dele. Há estudos mostrando que o presidencialismo de coalizão teve seu melhor funcionamento no primeiro governo de FH, quando sua popularidade estava no auge devido ao Plano Real. No governo Lula, já foi diferente. Com a popularidade em alta, ele não precisava pressionar o Congresso. Inicialmente, não queria negociar com o Centrão, naquele momento representado principalmente pelo MDB, e recusou um acordo para montar seu primeiro ministério.

Depois, começou a comprar apoio, usando as estatais como fonte do mensalão, liberando emendas quando queria. Não era uma negociação, era uma compra de apoio. Só que, agora, o mundo mudou, e o Congresso mudou, já não precisa mais do governo para nada. Bolsonaro resolveu a situação simplesmente entregando a decisão sobre o Orçamento para o Congresso, que lidava com o “orçamento secreto” como se fosse um mensalão atualizado.

Há quem chame o atual regime de “parlamentarismo desvirtuado”. Tem de haver uma nova negociação que coloque os dois lados — Executivo e Legislativo — em condições de negociação, não com um sendo obrigado a fazer o que o outro quer, simplesmente por ser maioria. O projeto eleito nas urnas tem de ser respeitado pelo Congresso, mesmo que ele tenha o direito de derrotar o governo. O problema é que o governo vitorioso não apresentou durante a campanha presidencial um projeto de governo, que vem se caracterizando pela repetição de programas já existentes nos governos petistas, na maior parte rejeitados pelo Congresso “conservador”.

O Globo, 25/04/2024