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Vingança é o nome do jogo

 

Vingança é a palavra de ordem vigorando. Vivemos um momento delicado, em que os três Poderes brigam entre si e, às vezes, também internamente, alimentando incertezas. O Supremo Tribunal Federal (STF) está em choque com o Legislativo, e os próprios ministros se batem, ainda em decorrência da Operação Lava-Jato.

Há claramente uma ação articulada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para tentar punir juízes e desembargadores que trabalharam na Lava-Jato, com claro cheiro de vingança no ar. No Congresso, os parlamentares se organizam, na Câmara e no Senado, para se vingar do STF, que prendeu o deputado federal Chiquinho Brazão.

Mas não apenas por isso. Também contra o que consideram a “fúria legiferante” da mais alta Corte do país. O Executivo, por sua vez, briga com o Legislativo, onde não tem maioria, e se escuda no Supremo, que já esteve mais forte do que hoje e também precisa de apoio político. As CPIs são a arma parlamentar com que o Congresso ameaça o governo.

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, está no centro dessas disputas. Quer garantir que um aliado assuma seu lugar, para não acontecer com ele o que vários ex-presidentes da Câmara já sofreram: isolamento, desprestígio. Para tanto, exibe aos seus uma força que vai se extinguindo à medida que a hora da sucessão se aproxima.

Precisa do apoio dos bolsonaristas e se dispõe a colocar em pauta temas que o governo gostaria de segurar, todos ligados a valores caros à classe média, como garantias contra invasão de terras ou o controle total do consumo de drogas. O próximo embate será justamente esse, pois a tendência, a não ser que se chegue a um acordo, é o Supremo considerar inconstitucional a emenda aprovada sobre a repressão ao consumo e porte de drogas.

A disputa no Judiciário, principalmente no STF, a favor e contra a Lava- Jato está explícita há muito tempo. O corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, tem claras afinidades com ministros antilavajatistas como Alexandre de Moraes e principalmente Gilmar Mendes. Concordo com o ministro Luís Roberto Barroso, em divergência dura da decisão do corregedor, porque afirmar que a juíza Gabriela Hardt cometeu peculato ao autorizar a abertura da conta para a formação de um fundo privado que aplicaria o dinheiro devolvido da roubalheira na Petrobras é presumir que a conta seria aberta com intenções criminosas — como o ministro Gilmar Mendes diz a toda hora —, chamando o senador e ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador de Curitiba Deltan Dallagnol de ladrões de galinha que roubavam juntos.

Não seria um simples roubo de galinha, se fosse verdade que os milhões de reais devolvidos seriam desviados. O corregedor assumiu claramente um lado, sem base técnica nenhuma para acusar a juíza desse tipo de crime. No mínimo estariam fazendo com Moro e os demais que atuaram em Curitiba o mesmo que acusam de ter sido feito com Lula: denunciar sem provas. No caso em pauta no CNJ, há presunção de culpabilidade, não de inocência.

Lira tentou chegar a um acordo com o ministro Moraes, talvez o principal alvo de parlamentares. Disse-lhe que não precisava mais manter o comportamento radical, pois já é reconhecido como quem salvou a democracia brasileira. Moraes reclamou muito dos ataques que ele e, principalmente, sua família vêm sofrendo. Não deu nenhuma indicação de que refreará seu comportamento.

O receio dos deputados e senadores é ficarem à mercê de Moraes num combate interminável, por isso preparam uma série de medidas para reduzir os poderes do STF, especialmente em relação à prisão de parlamentares. São medidas claramente corporativistas, que não terão respaldo da opinião pública, mas terão apoio parlamentar. Em tempo de eleição, precisarão avaliar bem o custo-benefício de tal embate. Por enquanto, estão convencidos de que enfraquecer o STF é o caminho político adequado, escancarando o apoio majoritário dos conservadores a essa tese.

 

 

 

 

 

 

 

 

O Globo, 18/04/2024