Nesta sexta-feira à noite, Ailton Krenak se tornará o primeiro indígena a ingressar no quadro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde sua fundação, em 1897. O pensador ocupará a cadeira 5, vaga após a morte do historiador José Murilo de Carvalho no ano passado. A cerimônia começa às 20h, no Petit Trianon da ABL.
A posse deve contar com a presença de autoridades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi formalmente convidado e chegou a comunicar a instituição que iria comparecer, mas cancelou de última hora, informa a assessoria da ABL. Por outro lado, já confirmaram presença a ministra da cultura Margareth Menezes, o ministro dos direitos humanos Silvio Almeida e o secretário municipal de cultura do Rio Marcelo Calero.
O fardão
Ailton Krenak fez, semana passada, com o figurinista Marcelo Pies, a prova do seu fardão para a posse. “Eu me senti como uma noiva”, disse o escritor, filósofo e ativista indígena que vai ocupar a vaga deixada pelo historiador José Murilo de Carvalho.
Além do fardão, vestimenta inspirada no traje dos membros da Academia Francesa de Letras, Krenak pretende usar uma tiara indígena.
O cardápio
O menu foi produzido pelo grupo Terra Come, que veio de Belo Horizonte para homenagear Krenak. No jardim dos fundos do Petit Trianon, serão servidas algumas “mineirices”, como goiabada com queijo, doces, esculturas de madeira e outras surpresas gastronômicas. A maior atração serão as iguarias indígenas: batata doce roxa envolta numa camada de argila, assada no forno, quebrada com martelo e comida com as mãos, além de uma sopa com especiarias.
- Batata doce é um presente da terra, é chamada o pão da terra - explica Silvia Herval, do Terra Come. - Na argila, está carimbada a palavra KRENAK. O Kre significa "cabeça" e o Nak, terra. Então quebramos a palavra antes de comer o pão da terra.
- Batata doce é um presente da terra, é chamada o pão da terra - explica Silvia Herval, do Terra Come. - Na argila, está carimbada a palavra KRENAK. O Kre significa "cabeça" e o Nak, terra. Então quebramos a palavra antes de comer o pão da terra.
Nas boas-vindas da chegada, uma mesa com água de coco tirada na hora e chás, que depois se transformará numa grande mesa de frutas. Além disso, os convidados poderão degustar uma sopa com bases indígenas – mandioca, banana da terra, banana verde, cogumelos shitake criados no tronco e água de bica, vindos de um agricultor familiar, açaí e especiarias. Servida em cumbucas de argila, que estão sendo feitas há dois dias – algumas serão preparadas durante a festa - forradas com folha de taioba, forte em ferro. Ao lado da mesa, ficarão bacias com água, onde poderão ser jogadas as cumbucas, para que se derretam e voltem para a terra.
O novo imortal
Krenak é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora e ocupa a cadeira 24 da Academia Mineira de Letras. Nascido no vale do rio Doce, uma região afetada pela atividade de extração mineira, mudou-se para o Paraná aos 17 anos, onde se alfabetizou. Ele participou da fundação da União Nacional dos Indígenas (UNI), o primeiro movimento indígena de expressão nacional. Sua eleição para a ABL acontece no aniversário de 35 anos da promulgação da Constituição, na qual atuou para a aprovação da emenda constitucional que trata dos direitos dos povos originários. Em 1987, ele comoveu o país com um discurso na Assembleia Nacional Constituinte, em que pintou o rosto com a tinta preta de jenipapo em protesto ao retrocesso dos direitos indígenas.
O sucesso de seus livros mais recentes, como "A vida não é útil" e “Ideias para adiar o fim do mundo”, ambos publicados pela Companhia das Letras, difundiu o pensamento ameríndio para o grande público, propondo novos modos de vida e maneiras de se relacionar com o meio ambiente. Krenak critica o que ele chama de "humanidade zumbi", uma ideia de progresso que deslocou os homens do corpo da terra e nos levou o consumo desenfreado e à destruição da natureza.
— Quando eu falava há uns 10 anos, com exceção dos antropólogos, ninguém entendia o que eu estava falando — diz Krenak. — Achavam que eu via filme de ficção-científica demais. Mas as mudanças climáticas estão aí, elas vão matar todo mundo, inclusive os imortais.
Depois da posse
Antes mesmo de tomar posse, Krenak já fazia planos para a vida como acadêmico. Na semana passada, quando esteve na ABL para apresentar o filme “Línguas da nossa língua”, de Estêvão Ciavatta, o novo imortal diz que vai sugerir à instituição a criação de uma plataforma colaborativa sobre estudos a respeito das línguas nativas no Brasil.
Seria uma forma de ampliar o acesso de quem está mais distante dos grandes centros urbanos, caso de populações indígenas.
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/04/05/ailton-krenak-toma-posse-na-abl-nesta-sexta-feira-saiba-detalhes-da-cerimonia.ghtml