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Poderes em disputa

 

Vivemos uma situação esdrúxula, em que os Poderes se digladiam para marcar posição, interferindo em processos delicados como o do assassinato da vereadora Marielle Franco. A Câmara dos Deputados adia a análise da prisão do deputado federal Chiquinho Brazão à espera de entender para que lado o vento sopra, torcendo para que dados novos possam dar elementos para contestar as acusações do relatório do Supremo Tribunal Federal (STF) — leia-se Alexandre de Moraes — baseado nas investigações da Polícia Federal, com poucas provas e muitas ilações e indícios.

Os deputados federais estão ansiosos para demarcar território diante do Supremo, ainda mais agora que a pesquisa de opinião do Datafolha mostrou uma melhoria na avaliação do trabalho dos parlamentares. Estão convencidos de que o enfrentamento com o Supremo os beneficia. Ao mesmo tempo, temem aparecer diante da opinião pública como defensores de milicianos e assassinos de aluguel.

Como o caso em pauta é dos mais delicados, precisam ter certeza de que não assumirão o corporativismo numa luta política inglória. O mais provável é que aceitem a decisão do Supremo. De qualquer maneira, o adiamento da decisão já foi uma reação, pois o STF estimava que a prisão fosse aprovada rapidamente.

Por seu lado, a Polícia Federal espera que a apreensão de celulares e computadores na casa dos suspeitos leve às provas factuais que faltam no relatório. Dizem que o inquérito está encerrado e que novas evidências abrirão uma nova etapa da investigação. Mas enfrentam a realidade da dificuldade natural de uma investigação que levou seis anos para ser concluída (?) para encontrar provas antigas que provavelmente já foram destruídas.

Era esse exatamente o papel do delegado Rivaldo Barbosa, segundo as apurações da Polícia Federal: segurar a investigação, impedir que fosse adiante, destruir provas. Deu certo durante muito tempo, pode até dar certo até o final, pois nada indica que o final seja feliz. O fato de estar sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal leva a crer que o julgamento seguirá o caminho indicado pelo relator, que já obteve apoio dos ministros da Segunda Turma. Agora não se trata mais de decisão monocrática de Alexandre de Moraes, mas uma decisão do Supremo.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, não parece inclinado a discordar do teor geral do inquérito. Mas, e se a defesa dos acusados conseguir retirar do Supremo o processo? Durante a semana, os ministros do STF votarão, no plenário virtual, uma redefinição do que seja foro privilegiado. O caso só está no Supremo porque o foro privilegiado de deputado federal de Chiquinho Brazão fez com que os demais acusados fossem atraídos para essa última instância do Judiciário. Há quem especule que o deputado federal da família só foi incluído no processo com este fim: levá-lo para o Supremo, onde o algoritmo sorteou o ministro Alexandre de Moraes para relator.

Mas o caso do assassinato de Marielle Franco aconteceu quando Chiquinho Brazão era vereador, e seu irmão Domingos já era membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), eleito pela Assembleia Legislativa, onde era deputado estadual. A atual legislação determina que só tem foro privilegiado no Supremo quem cometeu crime na função, e, portanto, a redefinição da abrangência desse instrumento terá influência no caso de Marielle.

A defesa tentará levar o julgamento dos irmãos Brazão para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Chiquinho por ser vereador na época, Domingos por já estar no TCE. O delegado Rivaldo iria a julgamento na primeira instância no Rio. Certamente não é esse o desejo do STF, e seus ministros terão de votar no plenário virtual com um olho na melhor acepção do foro privilegiado, mas também com outro na decisão imediata do caso Marielle.

O Globo, 28/03/2024