Diz a lenda que o presidente deposto João Goulart deu uma gargalhada quando soube que o Marechal Castelo Branco o substituiria na presidência da República depois do golpe militar de 1964. Castelo Branco teria garantido apoio a Goulart dias antes. Estará o ex-presidente Bolsonaro rindo hoje, ou chorando de raiva, ao tomar conhecimento dos depoimentos à Polícia Federal dos militares quatro estrelas sobre a tentativa de golpe?
De minha parte, fiquei contente de saber que pelo menos os Comandantes do Exército e da Aeronáutica reagiram às propostas de golpe ameaçando prender Bolsonaro, no caso do General Freire Gomes, ou classificaram a ideia de ilegal, no caso do Brigadeiro Baptista Junior, que deixou atônito o General Augusto Heleno ao afirmar que não concordaria com um golpe de Estado.
Sessenta anos separam os dois fatos históricos, e tudo indica que o atual terá o final que o outro não teve. Seja por incapacidade de organização dos neogolpistas, seja por falta de apoio da sociedade civil. Já é inédito, e por isso mesmo remarcável, o fato de que militares de quatro estrelas nos ombros estejam sendo interrogados pela Polícia Federal sobre a tentativa de golpe, e o desfecho parece já delineado. Não haverá anistia.
A negociação para a anistia política recíproca no final da ditadura militar foi a melhor saída naquele momento, mas deixamos para trás um rastro que ainda hoje machuca a Nação, ao contrário de países vizinhos, que resolveram suas questões no devido tempo. Somos assim mesmo, várias decisões são tomadas fora de seu tempo, parecem boas soluções naquele momento, mas cobram mais tarde a consequência.
A anistia foi assim, a reeleição foi assim, o fim da Lava-Jato foi assim, a tolerância com Bolsonaro foi assim. Vamos acumulando dívidas do passado para resolver num futuro que nunca chega. Desta vez, tudo indica que será diferente. Teremos prisões de alto coturno, que servirão de exemplo para futuras aventuras golpistas, o que provavelmente não teria acontecido agora se tivéssemos acertado as contas de nosso passado recente.
Mas é interessante constatar que o ambiente golpista no meio militar, apesar de toda a incitação feita pelo próprio presidente da República, não encontrou eco no oficialalato, ou, pelo menos, na maioria dele. Pelos relatos dos envolvidos, fica claro que um grupo de oficiais assumiu postos de comando no novo governo já com o objetivo de criar um ambiente golpista.
Não foi à toa, portanto, que a figura do “autogolpe” surgiu ainda durante a primeira campanha, em 2018. Já pairava sobre os militares reunidos em torno da candidatura Bolsonaro a ideia de que eles poderiam estar ali para permanecer no poder pelo tempo necessário a seus desígnios. Enquanto vendiam a ideia de que estavam no governo para conter prováveis excessos de Bolsonaro, estavam preparando o terrenos para o golpe.
Na verdade, a viabilidade da candidatura de Bolsonaro pareceu aos militares nela envolvidos, capitaneados pelo General Vilas Bôas, a oportunidade para uma volta ao poder em grande estilo. Mesmo no início da campanha, já havia uma espécie de bunker onde atuavam os militares que davam suporte ao esquema de Bolsonaro.
O intrigante nessa trama é como um oficial despreparado, rústico, lunático, pôde convencer tantos militares de quatro estrelas a seguirem sua liderança, apesar de seu histórico de mau soldado e político de quinta categoria. Os que se deixaram seduzir pelos salários, pelo poder, pelos delírios de um sociopata, mostraram-se indignos das fardas que vestiam.