Autor de 49 livros, cronista, romancista e jornalista, Ignácio de Loyola Brandão vê que a escrita não está ligada somente à sua carreira. “A escrita é uma coisa que mexe comigo lá dentro. Algo te toca em um momento e você sente que tem uma história. Escrever, pra mim, é vida, eu tenho que escrever e não teria capacidade para fazer mais nada. É a escrita que me conduz.” O Correio Popular bateu um papo com o escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e quatro vezes vencedor do Prêmio Jabuti, que será homenageado na quinta-feira (14) no Tribunal Regional do Trabalho em Campinas (TRT-15), às 17h.
Durante a conversa, ele deixa uma sugestão (não conselho, pois segundo ele, “conselho é bobagem”) para os jovens escritores: conheça muito bem as palavras e a língua portuguesa; saiba sintetizar as ideias em textos mais curtos (“às vezes, a gente escreve 200 palavras o que daria para dizer em 5”, explica); por fim, escreva, escreva e escreva. “A primeira versão de um texto pode ser ruim ou boa. Eu já escrevi crônicas boas de primeira, mas outras só ficaram boas na quinta versão. Não tenha pressa, mas tenha paixão pelo que você faz.”
RUAS QUE INSPIRAM
Ignácio aprendeu a escrever olhando para as ruas, é de onde saem as histórias que ele sente que deve contar. “A curiosidade te leva e aí você encontra os temas. Quando eu tinha 22 anos e já trabalhava no jornal, encontrei Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo e autor de crônicas, e perguntei a ele como fazia um conto por dia, que a gente não para de ler, com um final incrível. Ele me respondeu: ‘Olhando pela janela’. Desde então, nunca mais deixei de olhar pela janela.”
Diante de um tempo de pessoas constantemente vidradas na tela do celular e continuamente com fones de ouvido preenchidos por músicas e podcasts, o escritor fica melancólico. “Estamos perdendo a capacidade de olhar o mundo, de observar, a curiosidade. Quem está no celular é uma pessoa solitária, imaginando que conversa com o mundo, mas não é isso. Onde estão as conversas? O celular facilitou nossa vida, mas também está nos emburrecendo.”
O escritor se mostra preocupado com o ensino brasileiro e, consequentemente, com o futuro de quem está sendo formado. Para Ignácio, no Brasil não estamos formando professores para conduzir o ensino dentro de um novo cenário. “É preciso uma orientação. As pessoas não leem mais, não fazem redação, os professores dão aulas para 100 alunos de uma vez. No governo Bolsonaro, os ministros da Educação não fizeram nada e aquele Milton Ribeiro ainda desrespeitou a profissão de professor. Só o ensino forma a gente.”
EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO
Ignácio tem na ponta da língua os nomes e sobrenomes daqueles responsáveis por sua formação como escritor: os professores Jurandir Gonçalves, Cidinha Valério, Ulisses Ribeiro (que ministrava Matemática, mas lia suas críticas de cinema e o incentivava a continuar), Mariquita Vilaça (mãe de Ruth Cardoso). Duas ele cita ainda com mais deferência: Lourdes Prada e Ruth Segnini, a dupla de docentes do primário. “Todos eram professores bastante exigentes, amáveis e viam em mim alguma coisa. Eu devo a eles.”
O escritor lembra que, pouco antes do momento de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, ele recebeu um e-mail do irmão de Ruth com uma mensagem da educadora. “Ela dizia que, por muito tempo, teve dúvidas se tinha tomado a decisão certa ao ser professora, mas que naquele momento, me vendo ali na ABL, eu havia confirmado que ela tinha feito o que devia fazer, trazendo-lhe um alívio imenso.” Ao ler essa mensagem no pronunciamento, viu sua professora ser aplaudida em pé.
LIVRO NOVO EM HOMENAGEM À NETA
O último livro de Ignácio, a distopia “Deus, o que quer de nós?”, foi lançado em 2023 e reflete a narrativa que o autor colocou para fora em sua escrita durante o período pandêmico. Nele, o casal protagonista enfrenta uma pandemia que já dura quase 12 anos e dizimou 213 milhões de brasileiros. Uma história que ele sentiu que precisava registrar. O próximo lançamento, no entanto, é bem mais singelo e parte do seu coração de avô, pois ele escreveu para a neta Antonia, de 10 meses, um possível diálogo entre eles a partir do momento em que a pequena veio ao mundo. A obra será publicada ainda este ano.
14/03/2024