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Um brasileiro chamado Sócrates

 

A propósito de meu artigo "Um brasileiro chamado Garrincha" (1°/3), um leitor lembrou que, quando se trata de alcoolismo no futebol, todos citam Garrincha e ninguém fala de Sócrates, igualmente vencido pelo copo, em 2011, aos 57 anos. O leitor tem razão. Haveria até outro motivo para citar Sócrates. O supercraque, ídolo de todas as torcidas, culto e politizado, era também o Dr. Sócrates, médico formado pela USP e dedicado às comunidades carentes. Ele não era diferente da média dos médicos brasileiros, inclusive os do futebol, que sabem pouco ou nada sobre alcoolismo. Mas Sócrates podia ser tudo, menos um negacionista.

"Bebo porque gosto. Quando quiser parar, eu paro", dizia. Cem por cento dos dependentes dizem isso, até que a doença, ao levá-los, faz com que parem mesmo. Sócrates negou até o fim ter um problema quando, como médico, devia saber a devastação que o álcool já provocara em seu organismo. E não que preferisse não saber. A partir de certo estágio, parar ou não parar de beber deixa de depender da "força de vontade" —a dependência vence a vontade.

Os torcedores não gostam que se fale desse tema referindo-se aos seus ídolos. Na verdade, ninguém gosta de falar de alcoolismo —ele está muito perto de nós, que "bebemos socialmente" ou temos um problema na família. E Sócrates foi só um dos muitos jogadores que tiveram a carreira e a vida abreviadas pela dependência. Procure conhecer a história do excepcional ala esquerda Marinho Chagas (1952-2014), ex-Botafogo, ex-Fluminense, ex-São Paulo, ex-Seleção de 74 e, no fim, ex-tudo.

Alguém perguntou que autoridade eu tinha para falar de alcoolismo. Nenhuma. Posso falar do meu, na ativa por duas décadas e, nesta sexta-feira (15), um atento e feliz abstêmio há 36 anos, um mês e 13 dias. Mas todos os casos são iguais.

Em tempo: não sou contra ninguém beber. Sou contra eu beber.

Folha de São Paulo, 07/03/2024