Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse que deveríamos reagir com cautela diante de pesquisas indicando percepções dos cidadãos que podem não corresponder à realidade. Ele se referia à percepção de que a corrupção aumentou no país nos últimos tempos, revelada pela Transparência Internacional.
Mas, como diz o pesquisador Felipe Nunes, da Quaest, é um perigo colocar em dúvida a percepção do eleitor, pois é com base nela que o eleitorado avalia os líderes políticos, e não na realidade tal qual vista pelos interessados na disputa. A mesma coisa acontece agora com a aprovação do governo Lula, que sofreu queda, fazendo retornar o clima de calcificação que se estabeleceu no país na eleição de 2022.
Um ano depois de vitorioso por pequena margem, o governo Lula não conseguiu ampliar seu alcance na opinião pública. Mantém-se enclausurado num nicho eleitoral do Nordeste, onde venceu Bolsonaro por 70% a 30%, situação que se mostra inalterada. Nas demais regiões do país, o apoio ao governo ou vem se mantendo estável, sem que haja predominância da visão positiva, ou continua negativo, como no Sul e no Sudeste.
A pesquisa Quaest divulgada ontem reflete bem o equilíbrio e a polarização de forças que atualmente dominam o país. A queda na aprovação de Lula parece muito ligada ao grupo evangélico, que reage às referências dele a Israel. Ao mesmo tempo, aumentou a percepção de inflação. É um paradoxo, porque a inflação está controlada, o governo está equilibrado, não há nenhum problema.
A inflação dos alimentos aumentou muito , é verdade, e já foi ligado o alerta. A combinação de economia com disputa política faz com que mais uma vez o governo enfrente a dicotomia. Ele não consegue a maioria da população; depois de um ano, não se impôs. Continuamos divididos e aparentemente continuaremos assim. As próximas eleições darão uma boa indicação de como estão as coisas, mas, aparentemente, o governo não consegue imprimir um programa que convença a maioria de que vai bem.
Os evangélicos são um instrumento de política de oposição. É um nicho eleitoral importante que o bolsonarismo dominou. É um fato relevante para acompanharmos. A luta contra a percepção do cidadão, que, como no caso agora da economia, parece distanciar-se da verdade oficial, trava-se sobretudo nas redes sociais, e a esquerda brasileira não está preparada para ela.
A direita tomou conta dos meios digitais e divulga sua narrativa com muito mais poder de fogo do que o sistema de comunicação do governo. Seja por uma visão retrógrada do que venha a ser o país ideal, seja por negar-se a encarar a realidade, o governo está convencido de que está no caminho certo e se recusa a uma correção de rota.
Não se trata de se curvar às fake news ou de aceitar a distorção da realidade com objetivos políticos, mas de entender os anseios de uma vasta população cooptada pela direita religiosa. Enquanto o governo estiver convencido de que deve dar os rumos do desenvolvimento, sem levar em conta o cidadão comum das grandes periferias das cidades, estará no caminho errado.
A força dos programas sociais no Nordeste brasileiro, que ainda garante o apoio ao governo dessa massa de eleitores, não satisfaz mais a esses cidadãos que buscam a emancipação pessoal por meio do empreendedorismo. A visão governista de que os sindicatos são responsáveis pela proteção dos trabalhadores — como aconteceu agora com os motoristas por aplicativos — é bem-intencionada, mas apegada a uma visão superada do trabalhismo. O incentivo ao trabalho pessoal, ao empreendedorismo individual — há orgulho em ser Microempreendedor Individual (MEI) — é um fenômeno moderno que precisa de mais incentivo oficial para se completar.