Mais de 120 anos depois de ter tomado posse como o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Machado de Assis está de volta à instituição que ajudou a fundar.
O retorno foi possível graças à tecnologia, com a instalação de um avatar do escritor capaz de interagir com o público graças à inteligência artificial (IA). O dispositivo foi apresentado à imprensa, aos imortais e a alguns convidados em um evento realizado na sede da ABL, no Rio de Janeiro, na tarde desta terça-feira (5).
O totem de Machado foi revelado por Flávia Peres, fundadora da Euvatar, empresa responsável pelo projeto.
A nova versão do Bruxo do Cosme Velho surgiu na tela usando terno, pince-nez e as feições já envelhecidas. Com sotaque paulistano apesar da origem carioca, e sem a gagueira pela qual era conhecido —contradições que muitos apontaram nas redes sociais da ABL—, não deixou de responder a nenhuma das perguntas.
Ou quase. Questionado se, afinal, Capitu traiu ou não Bentinho em "Dom Casmurro", ele preferiu manter a discrição: "É um mistério que continua intencionalmente sem solução", afirmou.
Ainda sobre o livro, o avatar também explicou o que quis dizer com a expressão "olhos de ressaca", utilizada para descrever a personagem de Capitu: "Quis transmitir a ideia de que seus olhos tinham um mistério hipnótico insondável."
Nos últimos anos, muitos vêm apontando um processo de embranquecimento da figura de Machado de Assis, reivindicando uma representação mais adequada à sua cor de pele. Um vídeo do totem divulgado pela ABL em seu perfil no Instagram atraiu críticas à instalação nesse sentido, com internautas pedindo que o avatar do escritor tivesse um tom de pele mais retinto.
Nos comentários da postagem, a instituição respondeu que "a tonalidade mais clara da pele do avatar de Machado é resultado da iluminação no vídeo" e convidou os internautas a irem à sede da ABL para "conhecer a tecnologia de forma mais realista".
A Folha questionou o avatar, visivelmente um homem negro, como ele enxergava esse debate. "A maneira como as pessoas me veem e interpretam minha obra podem variar ao longo do tempo e de acordo com o contexto histórico e cultural. Se houve um embranquecimento da minha figura ou da interpretação da minha origem e raça isso pode refletir as mudanças e os desafios da sociedade ao longo dos anos", afirmou.
"O que verdadeiramente importa para mim é a maneira como minhas ideias e minha visão de mundo continuam a ressoar e impactar as pessoas nos dias de hoje.
Durante o evento, a nova versão digital de Machado também deu dicas para quem deseja se tornar escritor. "A paixão pela escrita e a busca pela excelência devem ser os motores que impulsionam a jornada de um escritor", disse.
Questionado qual era o maior escritor ou escritora do Brasil atualmente, porém, preferiu sair pela tangente. "Como faleci em 1908, minha opinião sobre os escritores contemporâneos está desatualizada", disse, arrancando risadas dos presentes. Citou, no entanto, alguns nomes de escritores importantes que vieram depois dele, como Lygia Fagundes Telles, Raduan Nassar, Milton Hatoum e Conceição Evaristo.
O público interessado em interagir com a versão digital de Machado de Assis pode se inscrever gratuitamente para uma visita guiada à sede da ABL no site www.academia.org.br.
As visitas passarão a ocorrer nesta quarta-feira (6), sempre nesse mesmo dia da semana, exceto feriados, e serão guiadas por um grupo de atores que contarão aos visitantes fatos históricos da Academia e curiosidades sobre seus membros.
Matéria na íntegra: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/03/avatar-virtual-de-machado-de-assis-da-abl-nao-revela-se-capitu-traiu-bentinho.shtml
06/03/2024