Todos conhecemos a expressão "debaixo de vara". Já a vimos ser aplicada a garotos rebeldes cujos pais, esgotadas as tentativas racionais para sua regeneração, viam-se obrigados a adotar medida drástica —tomar o malandro pela orelha e levá-lo à força até o castigo. A orelha em chamas deveria representar o opróbrio, a vergonha de estar passando por aquilo. Era um privilégio da autoridade, da qual o "debaixo de vara" era um símbolo, reminiscente de um tempo em que a vara de marmelo, flexível e impenitente como um chicote, era um cruel instrumento de punição.
A vara de marmelo era um galho do marmeleiro, pelo visto então abundante por aqui. Hoje, por falta de marmeleiros no Brasil, o "debaixo de vara" tornou-se mais simbólico do que nunca. Equivale à condução coercitiva de um acusado que, esperto e recalcitrante, procura pretextos para não comparecer à Justiça que o convocou. Mas está na letra da lei, "ser conduzido debaixo de vara", e não há nada de vergonhoso nisso. Vergonhosa é a covardia, o medo da verdade, que obriga a aplicação do "debaixo de vara".
Enquanto escrevo, não sei se Jair Bolsonaro, convocado a responder sobre a tentativa de golpe, irá ou não nesta quinta (22) à PF, em Brasília. Seus advogados disseram que ele teria "optado" por só comparecer se tiver acesso a certos documentos. O ministro do STF Alexandre de Moraes rebateu que não cabe ao investigado escolher dia e hora para atender à Justiça e insinuou que, por bem ou debaixo de vara, Bolsonaro terá de comparecer.
O "debaixo de vara" deveria também se aplicar ao presidente Lula, para vergar seu orgulho e obrigá-lo a se explicar por seu trágico improviso sobre o Holocausto, que deixou o Brasil numa saia justa. E não só por isso.
Pois não é que, justamente na semana em que Bolsonaro terá de começar a desembuchar seus crimes, Lula roubou-lhe as manchetes com uma frase?