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Quanto mais isso, menos aquilo, ou não

 

Foi Fernando Sabino, por volta de 2000, quem me chamou a atenção: assim que inventaram a pílula anticoncepcional, a Terra duplicou de população. Fomos aos números e era batata. De 1800, quando eles começaram a contar, até 1960, quando a pílula foi comercializada, o planeta levou 160 anos para chegar a três bilhões de habitantes. Em 2000, apenas 40 anos depois, com a pílula universalmente adotada, chegamos a seis bilhões. Como se explica? A ideia não era que, com a pílula, as famílias deixariam de ter dez filhos? É simples: as pessoas procriam menos, mas há mais gente procriando.

Há dias, um jornal registrou outro paradoxo: as mortes por câncer de pulmão dobraram no Brasil nas duas últimas décadas —exatamente quando o número de brasileiros fumantes adultos caiu de 30% para 12%. Como é isso? Fuma-se menos e, mesmo assim, o câncer dispara? Claro que não. As vítimas do câncer de pulmão em nossos dias são provavelmente os milhões que começaram a fumar há 30 anos —tempo que o tumor levou para se estabelecer. Donde a queda do tabagismo só se refletirá nos números daqui a algum tempo.

Quanto mais se pessoas aderem a dietas saudáveis, mais cresce a população de obesos, reparou? Quanto mais se combate o racismo, a homofobia e o feminicídio, mais pretos, gays e mulheres são agredidos ou mortos. Quanto mais as mulheres lutam por respeito e dignidade, mais surgem mulheres-melancia e musas do bumbum.

Quanto mais se imprime dinheiro, menos o usamos. Quanto mais o computador nos facilita o trabalho, mais tempo passamos escravizados a ele. Quanto mais se aciona o VAR, temos mais erros de arbitragem. E, quanto mais se lê a Bíblia, mais se glorificam os vendilhões dos templos.

Mas, como eu disse, não há uma relação imediata de causa e efeito entre o que se faz ou se deixa de fazer e esta ou aquela consequência. Exceto nesta: quanto mais quente, melhor.

Folha de São Paulo, 15/02/2024