Carlos Lyra, o mestre da bossa nova, morto no dia 16 de dezembro, descansa agora no cenário do Rio que ele mais amava: a Lagoa Rodrigo de Freitas. Ao contrário de Tom Jobim, cuja alma cantava quando Tom, do avião, via o Rio por inteiro, a dele se iluminava ao sair do túnel Rebouças e o espelho d’água se abria aos seus olhos. Foi às margens da Lagoa que Carlos passeou com sua mulher Magda Botafogo todos os dias, pelas últimas décadas, e decidiu que, ao morrer, queria ser cremado e ter as cinzas dispersadas ali. E assim, na quarta última (10), Magda e 15 íntimos do casal foram cumprir o seu desejo.
O píer na altura do Cantagalo seria perfeito para o derrame das cinzas, mas Magda teve uma inspiração de último minuto: fazer isso bem no centro da Lagoa, onde as águas são mais profundas. Com a assessoria técnica do geólogo e jornalista Luiz Gravatá, alugaram quatro pedalinhos, daqueles de cisne, para chegar ao ponto mais distante permitido pela administração. E lá se foram, pedalando contra o vento do fim da tarde, ao som da música de Carlos saindo do Bluetooth.
Ao chegarem, como por magia, o vento parou, a onda amainou e os pedalinhos se atracaram uns aos outros. Era a hora. Magda disse bonitas palavras e tirou da bolsa uma urna cilíndrica, que entregou lentamente às águas, e a Lagoa engoliu como se esperasse por ela. Coincidência ou não, o que Carlos cantava naquele momento era "Lá Vou Eu", uma canção de seu disco "Carioca de Algema", de 1994 —"Por cada encontro em que me perder/ Vou sem dono e não quero escravo/ Eu deixo tudo, não levo nada/ E lá vou eu/ Lá vou eu...".
A urna comprada por Magda era biodegradável. Logo se desfará e as cinzas de Carlos se integrarão ao bioma da Lagoa. Ele estará em casa.
De volta ao píer e devolvidos os pedalinhos, só lhes restava ir ver o pôr do sol no outro território cheio de lembranças de Carlos Lyra: o Bar Lagoa.