No dia 6 de fevereiro de 2014, durante uma manifestação no Rio, Fábio Raposo e Caio de Souza acenderam um rojão e o dispararam contra a polícia que, a 50 metros, enfrentava a multidão. No meio do caminho, câmera no ombro e de costas para eles, estava o cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, 49 anos, filmando o combate. O rojão correu pelo chão, encontrou Santiago, subiu por seu corpo e explodiu em sua cabeça. Não exatamente —explodiu sua cabeça. Santiago morreu dali a três dias.
Se ele não estivesse ali, o rojão teria atingido outra pessoa, talvez até um dos manifestantes que os dois apoiavam. O disparo teve testemunhas e o artefato rastejando, subindo por Santiago e explodindo, foi fotografado. A sequência é chocante.
Os ditos suspeitos tiveram prisão preventiva. Burocracias processuais impediram que o julgamento acontecesse logo e, um ano depois, foram soltos para esperar em liberdade. Espertezas de seus advogados levaram a sucessivos adiamentos. Agora, nesta terça-feira (12), quase 10 anos depois, Souza e Raposo enfrentam finalmente um júri popular.
Há uma contradição entre um crime e sua responsabilização. O crime é à vista. Um homem é explodido durante seu trabalho. Centenas de milhares de pessoas morrem numa epidemia, por negação da realidade, falta de vacina, indução ao contágio em massa e tudo que acontece por causa disso. Populações inteiras de indígenas morrem de fome ou são dizimadas para beneficiar exploradores ilegais. Todo crime tem consequências imediatas.
Já a responsabilização é a prazo. A Justiça é paciente com os acusados e sempre aceita um recurso a mais. Os anos se passam, os acusados vivem sua vida à espera do julgamento e nem há garantia de que, se condenados, cumprirão a sentença. Santiago, que era meu amigo, não pôde esperar. Nem as vítimas da Covid nem os yanomamis, assassinados por Bolsonaro.