Um grupo de estudiosos de Venice, Califórnia, reúne-se mensalmente há 28 anos para ler "Finnegans Wake", o não–romance de James Joyce que, desde 1939, assombra ensaístas e críticos. Não é que seja um livro difícil de ler por alguém sozinho, de robe e chinelos, na sua poltrona favorita do sacrossanto recesso. É impossível de ler, a não ser por um grupo armado com dicionários em 50 línguas e no decorrer de uma vida. E Joyce pode tê-lo escrito justamente para não ser lido —pelo menos não na ordem normal, página a página, linha por linha. Não fará diferença se você tentar lê-lo de trás para frente ou de cabeça para baixo —o livro, não você.
Na semana passada, uma edição brasileira de "Finnegans Wake" ganhou o Prêmio Jabuti de melhor tradução, por um coletivo de 12 tradutores. Imagino-os discutindo as mil opções para pôr em português a famosa palavra com aquela críptica exclamação final:
“bababadagalgharactakamminarronnkonnbronntonnerronn- tuommyhunntrovarrhounawnskwantoohoohoordenenthurnuk!”
Comparado com "Finnegans Wake", o livro anterior de Joyce, "Ulisses", de 1922, já chocante em sua época, tornou-se um romance da Biblioteca das Moças. Certa vez, em Dublin, saí em excursão pelos cenários de "Ulisses". Equivale em obviedade a, aqui no Rio, subir ao Pão de Açúcar. Quero ver é alguém passear pelos cenários de "Finnegans Wake". Ainda não se inventou o veículo capaz de chegar lá
Por muito tempo, no Brasil, "Finnegans Wake" foi uma exclusividade dos concretistas. Só eles pareciam deter a "skeleton key" para a sua compreensão. Fui grande amigo de um dos concretos, José Lino Grünewald, poeta, ensaísta e tradutor de "Os Cantos", de Ezra Pound. Ao ver que, num artigo, José Lino elegera "Finnegans Wake" o maior livro do século 20, perguntei-lhe admirado: "Você leu??"
Ele deu um salto para trás: "Claro que não! Você acha que eu sou maluco?"