O hiperpresidencialismo que regia o governo brasileiro, com o Executivo concentrando em si os poderes da República, foi desmistificado pela gestão catastrófica da ex-presidente Dilma Rousseff e transformou-se num simulacro de parlamentarismo a partir do governo Michel Temer. Oriundo da Câmara, e elevado à Presidência da República pelo impeachment decretado pelo Congresso, Temer tinha outra característica que o ligava aos parlamentares: a maioria do Congresso já era conservadora antes de Bolsonaro, e a pauta reformista que Temer levou a efeito correspondia ao anseio dos congressistas, assim como as reformas atuais coincidem com um Congresso mais liberal economicamente, além de majoritariamente conservador.
Os parlamentares, cujos poderes já tinham sido ampliados pelo semiparlamentarismo no período Temer, gostaram mais ainda da maneira como Bolsonaro liberou as verbas para decisão do Congresso e querem agora retomar mais profundamente a mudança de estrutura do nosso presidencialismo, que deixou de ser hiper para ser semi.
O Congresso já tem uma importância impressionante na liberação de verbas, com todas as emendas impositivas. Agora os congressistas querem aumentar o escopo e o valor delas. É uma regra que já está posta e dificilmente será revista, ninguém abre mão do poder — só Bolsonaro abriu, porque a questão de poder para ele era outra, ao contrário, prescindia do Congresso para tentar armar seu golpe de Estado em outras dimensões, principalmente a militar.
A situação atual é muito difícil para um presidente da República acostumado a usar os poderes do hiperpresidencialismo e sua popularidade para controlar o Legislativo. Anteriormente, o presidente tinha poder imenso sobre o Congresso, que dependia de favores do Executivo. E este usava-o para barganhar, alimentando o fisiologismo à custa das estatais. Hoje, o Congresso não precisa do Executivo, é o governo que quase sempre precisa do Legislativo. A ponto de Lula ter insistido, na posse do novo procurador-geral da República, que não é possível criminalizar a política, na tentativa de limitar a ação da Justiça.
Falava em causa própria, e também dos congressistas de diversos matizes partidários, a maioria absoluta livre, leve e solta, depois de presos ou condenados, à busca de abrigo no governo. Assim como o poder do Executivo era desbalanceado anteriormente, hoje está pendendo para o lado do Congresso. É preciso encontrar um meio-termo. Será difícil porque o Congresso não abrirá mão do poder que acumulou.
A situação melhoraria se os partidos se guiassem por programas para participar do governo, mas o governo dá aos partidos um ministério, sem saber que programa implementará. A participação fica na base do casuísmo. O Parlamento surgiu historicamente como instituição para acompanhar e aprovar o Orçamento, mas, como aqui ele era autorizativo, a autoridade do parlamentar era nula. Ao contrário dos países mais desenvolvidos, onde 70% do trabalho é definição do Orçamento, quem o definia era o Executivo. Se um parlamentar quisesse alguma coisa, tinha de negociar. O Legislativo era meramente homologatório do que o Executivo decidia, e mesmo as emendas aprovadas muitas vezes nem mesmo eram liberadas.
Não há dúvida de que a missão primordial do Congresso é cuidar do Orçamento, mas de uma maneira que não atrapalhe projetos nacionais, que precisam ser realizados. Reclamamos que os governos assumem sem programas, e agora ficará mais frequente, porque eles dependem do Congresso para ser aprovados. Como o Congresso é liberal na economia, reformas importantes como a tributária vêm sendo aprovadas, o que significa um dos passos mais importantes para o desenvolvimento do país. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rejeitado por parte do PT por ser fiscalista e equilibrado, está fazendo um trabalho formidável, que o próprio partido do governo pode atrapalhar.