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Falso dilema

 

A criação do Ministério da Segurança Pública, promessa de campanha de Lula, corre o risco de sucumbir à pressão política dos que não querem que questão tão delicada caia no colo do próprio presidente da República. Essa é uma antiga disputa entre os que querem enfrentar a questão de maneira federalizada, pois há muito tempo o crime organizado atua no país como um todo, e os que se dizem preocupados com a preservação da figura do presidente, que assumiria a responsabilidade pela segurança pública, hoje dos governos estaduais.

Na verdade, é um falso dilema, pois o aumento da criminalidade é um problema cada vez mais nacional, e o presidente da República não governa alheio a essa situação. É uma discussão antiga, que vem permitindo que o crime se organize cada vez mais, faça acordos internacionais para contrabando de drogas e armas e domine partes do território nacional. Já não é apenas o Rio de Janeiro que está submetido às milícias, aos traficantes e aos bicheiros, embora por aqui a situação seja mais grave no cotidiano.

O caso dos membros da Força Nacional que se perderam devido à indicação equivocada de um aplicativo de trânsito e foram interceptados por bandidos na comunidade do Chapadão é exemplar. Os soldados, que atuam noutros estados, não tinham a menor ideia de onde estavam e, ao serem presos pelos bandidos, identificaram-se como militares. Suas armas foram roubadas, e eles deram sorte de ter sido liberados sem maiores danos físicos.

Haver territórios em que o poder da força passou a ser dos bandidos, e não do Estado brasileiro, deveria ser motivo de apreensão de toda a sociedade. O fato de os revólveres terem sido devolvidos, assim como as armas roubadas de um quartel do Exército, só demonstra a ligação subterrânea entre os integrantes de facções criminosas e a polícia do Rio, o que agrava a situação. É possível que Lula desista mesmo de criar o Ministério da Segurança Pública, embora seja uma decisão errada, do meu ponto de vista.

Ao contrário, o combate ao crime organizado deveria ser mesmo um programa de Estado, centralizado na Presidência da República. Se ele resolver não dividir o ministério, é difícil que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, seja nomeada para substituir Flávio Dino, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF), porque ela não tem experiência na questão de segurança pública, que hoje domina o ministério. O ainda ministro Flávio Dino dizia que 80% do tempo ele dedica à segurança pública.

A escolha terá de recair em alguém desse calibre, e o PT disputará com o Centrão a nomeação. Talvez por mera necessidade de equilibrar forças políticas o Ministério da Segurança Pública ressurja das cinzas. O então presidente Michel Temer teve essa visão e criou tal ministério, nomeando Raul Jungmann para o cargo. O plano de segurança pública de enfrentamento às organizações criminosas, anunciado recentemente para dar uma resposta à escalada de violência no Rio e na Bahia, foi feito às pressas e está sendo implementado, mas precisa de uma ação permanente.

Sem malabarismos e com trabalho de perspectiva de longo prazo, o ministério não teve tempo suficiente para estabelecer programas estruturais, embora tenha conseguido avanços no estabelecimento de atuações conjuntas das forças de segurança. Acertadamente, o governo decidiu que a solução não é botar Polícia Federal nem Exército nas ruas, mas fazer uma política estruturada e permanente. Os governos, evitando o problema, só fazem ajudar a aumentá-lo. Se não for atacado, teremos um futuro muito perigoso, porque milícias, cartéis e facções criminosas estão dominando áreas enormes do país. É uma irresponsabilidade não levar a sério essa questão.

 

 

 

O Globo, 30/11/2023