A guerra interna no governo sobre o déficit fiscal continua intensa, com a ala política retomando a tese que defendia desde o início do governo: fixar a meta em 0,5% do PIB. A Fazenda continua tentando salvar a credibilidade da busca por zerar o déficit, que não será alcançada, mas continuará sendo um objetivo saudável para as contas públicas, em vez de um limite permissivo de gastos.
A definição de déficit zero, aliás, foi assumida como mensagem do novo governo para o mercado financeiro, uma demonstração do empenho em equilibrar as contas. A cada discussão sobre aumentar o limite de gastos, cresce a desconfiança sobre a real intenção do governo.
Lula dizer que um déficit de 0,25% ou 0,50% “não é nada” envia um recado à sociedade de que o lema deste governo é o mesmo dos anteriores, a partir do segundo mandato de Lula: “Gasto é vida”. Deu no que deu. O governo começou com a benevolência do Centrão liberando uma verba extra para que pudesse se equilibrar diante do caos que diziam existir na economia.
Os bolsonaristas alegam que, ao contrário, o governo só teve um ano bom porque aproveitou as reformas feitas por Paulo Guedes. Seria a mesma estratégia do primeiro governo, que aproveitou as estruturas básicas da economia deixadas pelo governo Fernando Henrique para crescer economicamente. Qualquer dificuldade, acusava uma suposta “herança maldita”.
De qualquer maneira, o déficit zero foi anunciado também para compensar essa gastança inicial do governo, uma maneira de indicar que a farra de gastos não aconteceria. O ministro da Fazenda continua nessa mesma posição, lutando contra a ala gastadora do PT, que tem apoios fortes, a começar pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, até a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Nada de novo no front, o mesmo grupo que também emparedou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que queria conter os gastos, numa proposta que foi considerada “rudimentar” pela então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Se for confirmada a decisão de mudar a meta do déficit para 0,25% ou 0,5% do PIB, em vez de ser “nada”, como definiu Lula, pode ser “tudo” em relação à política econômica, um baque monumental na credibilidade do próprio ministro Fernando Haddad, que pediu em público “apoio político”, numa indicação de que já o perdeu internamente no PT.
Será a concretização do que a maioria temia, que o governo nunca esteve disposto a buscar o déficit zero. Não alcançá-lo, embora tentando, é uma coisa, mas abrir mão de alcançá-lo e admitir um déficit maior é sinal de que o governo abriu espaço para a gastança e não está disposto a barrá-la — pelo contrário, a está defendendo. É de uma irresponsabilidade imensa.
Como Fernando Haddad continuará no ministério depois de ter sido desautorizado por Lula e agora — se acontecer mesmo — desautorizado formalmente pelo governo? A relação umbilical de Haddad com o partido, mesmo que não seja exatamente uma unanimidade dentro dele, não favorece uma ruptura, mas colocará seu cargo na mesa durante essa discussão. Não seria fácil também, para Lula, demitir no primeiro ano de seu governo um ministro cuja atuação tem sido aplaudida pelo Congresso e pelo mercado financeiro.
Algumas pesquisas de opinião apontam um início de descontentamento com a situação econômica, o que talvez tenha fortalecido a ala gastadora do partido. Lula já não tem tempo, como tinha em seu primeiro governo, de esperar pelos frutos da contenção de gastos. Hoje, gostaria de sucesso imediato e, perigosamente, não pensa nas consequências futuras, mas nos bônus do presente. O estabelecimento de uma meta mais leniente com os gastos seria um ato devastador para quem ainda acredita que o governo busca um equilíbrio fiscal.