Não sou e nunca fui um “lulista”. Mas é impossível não reconhecer que desta vez ele está certíssimo, começando seu governo por uma correção de erros cometidos pelo outro nestes últimos quatro anos, os piores que o país já viveu nessa curta história de sua democracia.
O presidente Lula tomou o cuidado de começar nomeando um ministério representativo e competente. Fora aqueles que ali estão por acordos partidários e necessidade de representação política, é impossível não reconhecer as redescobertas de gente como Fernando Haddad e Simone Tebet, as descobertas de Flávio Dino e Silvio Almeida, os postos oportunos de Geraldo Alkmin e Marina Silva, as novidades de Nísia Trindade e Margareth Menezes. E por aí vai. Ninguém está nesse Ministério apenas para constar ou, como se deu no governo passado, para colaborar com um eventual golpe de estado.
Lula recolocou o Brasil no cenário internacional, está fazendo com que o país deixe de ser um pária e muito menos fique satisfeito com esse papel miserável. Para isso, gente como Celso Amorim tem sido fundamental, mesmo não fazendo parte do primeiro time ministerial.
Isso tudo se dá num momento em que se espalha pelo mundo um novo pensamento antinatalista, parte de ideias que correm por aí graças às desigualdades sociais, às lastimáveis diferenças entre países e à distância entre camadas distintas da população de cada um deles. Esse antinatalismo diz que seria melhor se esses povos infelizes não nascessem para não sofrerem o que fatalmente sofrem. Um derrotismo das dificuldades humanas, valorizada pelo pensamento sofisticado de pensadores como David Benatar, professor da Universidade de Cape Town, que conta com inúmeros membros em seu grupo social na Internet, em torno do princípio de que “existir é sempre um dano grave”.
Em oposição a esse “dano grave”, os pais de Guilherme Gandra Moura, de 8 anos, o receberam de volta do hospital em que ele passou 16 dias em coma, vítima de rara e ainda incurável epidermólise bolhosa (uma doença que lhe causa feridas na pele e o deforma). Os pais de Gui o receberam em casa, com toda a família que reuniram com o maior amor. O menino desfilou o dia inteiro com uma camiseta do Vasco da Gama, seu time do coração, ao que quase aderimos por puro encanto e solidariedade. Gui já passou por 28 internações e oito cirurgias desde que nasceu. Sua mãe, Tayane, está surpresa com a repercussão do vídeo que registra tudo e já superou 50 milhões de visualizações.
Enquanto isso, o Brasil condena Jair Bolsonaro e o torna inelegível. Em outros países, como nos Estados Unidos ou na África do Sul, os crimes equivalentes aos seus são julgados pelos eleitores, que votam ou não nesses candidatos. A inelegibilidade deles está nas mãos dos eleitores locais. Os juízes julgam seus crimes, e os eleitores, seus valores para os postos a que se candidatam. Mandela, por exemplo, foi eleito presidente da África do Sul depois de 27 anos de cárcere. Se ele tivesse saído da cadeia apenas para se vingar dos que o prenderam, o povo sul-africano não teria se livrado do apartheid, estaria em guerra permanente com os que o impuseram ao país. O maior legado de Mandela foi sua aposta radical no futuro.
Jair Bolsonaro foi o pior presidente que o Brasil já teve, em qualquer dos regimes em que vivemos. Além de sua incompetência natural, incentivou nosso racismo de berço, separou os brasileiros em que ele acreditava (se é que acreditava em algum) daqueles com que não contava para nada, passou quatro anos pregando seu golpe por um governo autoritário em que mandasse e fizesse o que bem entendesse do Brasil. Foi, em suma, o político que menos havia de merecer nossa confiança na condução do país.
Mas devia caber ao povo brasileiro, a seu melhor e mais confiável representante, o cidadão eleitor, dizer que ele não servia para nós. Isso não pode ser secundário, incerto e precário. Tem que ser a base de nossa existência como nação.